Pedido de perdão às Atletas Douradas do PAN 2015: contra tudo e contra todos o Brasil vai se tornando o país do futebol feminino.
Eugênio Araújo. Prof.
Pós-Doc em História da Arte, Dep. De Artes/UFMA.
O Brasil é mesmo um país
surpreendente. Estou de férias no Rio de Janeiro e presenciei uma cena
inusitada: num desses botequins de esquina, onde os homens se reúnem entre
outras coisas, para ver jogos de futebol, vi um grupo torcendo pelo nosso time
feminino nos jogos pan-americanos de Toronto.
Era a final da competição, quando
nossas atletas venceram a Colômbia por 4 a 1 e conquistaram a medalha de ouro. Pois
não é que quando vivemos, sem qualquer dúvida, a maior crise do nosso futebol
macho, as mulheres vieram nos reconduzir à glória? Elas que certamente foram
criticadas e encaradas com reservas desde a mais tenra infância por preferir o
“brinquedo dos meninos”, adotando a bola em vez da boneca; elas que certamente
sofrendo bullingna escola e na
vizinhança, tentaram lutar contra suas próprias tendências e preferências; elas
que provavelmente foram desestimuladas e desanimadas pelos pais e familiares
que alegavam todo tipo de motivo torpe para que abandonassem “o esporte dos
homens”; elas que não ganharam chuteiras nem equipagem; elas que não frequentaram
escolinhas e não tiveram os olhares ansiosos dos pais esperançosos de verem
nascer “uma craque”; elas que tiveram dificuldades até de arrumar namorados,
pois não torciam por eles, mas jogavam melhor que eles; elas que nunca tiveram
o reconhecimento oficial devido, que não têm times onde jogar nem campeonatos e
títulos consagradores; elas que como sempre e em qualquer trabalho continuam
ganhando bem menos que os homens; elas que não frequentam a mídia e nem são garotas-propaganda;
elas que não sabemos sequer seus nomes; elas que enfrentando e driblando tudo
isso, insistiram nessa “paixão indevida”, elas são nossas campeãs!
A trajetória
do futebol feminino brasileiro vem demonstrando enorme capacidade de superação.
Só nos jogos Panamericanos são 3 ouros em poucos mais de 10 anos (Santo
Domingo/2003; Brasil/2007 e Toronto/2015); temos ainda uma prata em 2011.
Comparado com a campanha dos marmanjos, que não ganham ouro desde 1987, a
meninas estão esbanjando vitalidade! Nas olimpíadas o futebol feminino
(disputado desde 1996) já conquistou duas medalhas de prata (2004/08) e dois
quarto lugares (1996/98). Quanto às competições da FIFA, temos na COPA
feminina, terceiro lugar em 1999 e vice campeonato em 2007; na competição
sub-20 temos 2 quartos lugares (2002 e 2004) e um terceiro lugar em 2006; na
Copa América feminina o domínio brasileiro é absoluto: disputada desde 1991, o
Brasil só não ganhou em 2006 (quando ficou em segundo, perdendo para
Argentina), mas temos um tetra-campeonato (1991/95/98/2003) e um bi-campeonato
(2010/14). Esse quadro de conquistas é bem superior ao do futebol masculino no
mesmo período de tempo. No entanto pouco sabemos sobre isso, não comemoramos e
nem idolatramos nossas jogadoras. O mundo endeusa Marta, mas o Brasil ainda
prefere Ronaldo e Neymar que poucos resultados trouxeram para o futebol
masculino. Podemos procurar muitos nomes para tal fenômeno: discriminação
negativa, apagamento, obscurecimento, ostracismo forçado... mas no fundo, o
nome disso é preconceito. Disfarçado de desinteresse, mas preconceito.
Não
queremos admitir que nossas mulheres agora são melhores que os homens naquele
último espaço onde ainda reinavam incólumes até pouco tempo: os gramados dos
estádios. Sim, até aí o domínio masculino foi abalado e ultrapassado. Nossos
jogadores homens parecem não saber mais jogar bola. Ou fazem tantas outras
coisas, que esquecem de jogar. Os atletas do futebol masculino parecem estar
sempre competindo por algo mais: mais dinheiro, mais mulheres, o carro mais
bonito, a casa mais cara, o corte de cabelo mais chamativo, a barriga mais
tanquinho... Enriquecem rápido mas não sabem administrar o dinheiro; são
vaidosos demais, perdem horas no cabeleireiro ou escolhendo roupas e
acessórios; são bonecos “super-tatuados” ou “atletas de deus”; são mais garotos
propagandas que jogadores de futebol. Isso quando não bebem demais ou consomem
drogas pesadas, o que já inviabilizou a carreira de jovens promessas, como a de
Adriano Imperador e Bruno, o goleiro assassino.
Nas últimas
competições internacionais observamos uma curiosa inversão de papéis de gênero,
em se tratando do comportamento dos jogadores de futebol da seleção brasileira
masculina: insegurança, histeria, desmaios, crises de choro, descontrole
emocional... tudo isso era estereótipo associado às mulheres. Quem acompanha as
jogadoras brasileiras nesses últimos 20 anos (quando as competições
internacionais incluíram o futebol feminino) sabe que elas nunca protagonizaram
cenas desse tipo: não ficam histéricas, não desmaiam, não choram, nem se
descontrolam com facilidade. Pelo contrário, nosso time feminino, mesmo quando
perde, parece sempre super-seguro. Perde com dignidade, sem 7X1, sem vexame.
Perde como homem, para usar o trocadilho bem apropriado. Nossos homens, pelo
contrário, estão perdendo como mocinhas assustadas. Tremem na base, não encaram
de frente, fogem da raia, morrem na praia. Mostram-se sempre dependentes de um
macho-alfa, seja ele Ronaldo ou Neymar – na falta dele não conseguem vencer nem
convencer. Que homens são esses?
Em Toronto, nossas jogadoras
dominaram geral. A campanha foi impecável, venceram todos os jogos, além disso
convenceram, emplacaram a artilheira da competição e das 11, 6 jogadoras foram
escolhidas pelos especialistas para comporem a “seleção ideal do PAN”. Dizem
que Deus escreve certo por linhas tortas, mas dessa vez as linhas parecem estar
bem corretas, senão vejamos: a campanha das nossas jogadoras no PAN de Toronto
parece ter sido uma resposta exata para nossa Copa do Mundo frustrada. Aqui
nossos homens levaram 7x1 da Alemanha; lá, nossas mulheres meteram o mesmo 7x1
no Equador; e na final, derrotaram por 4x1 a mesma Colômbia que contribui para
nossa eliminação das Copas do Mundo e América. Quer revanche melhor do que essa? Só que nesse caso, a vingança foi
perpetrada pelas mulheres, nossas verdadeiras heroínas: Barbara,
Fabiana, Érika, Rafaelle e Tamires; Formiga, Thaisa, Andressinha e Raquel;
Andressa Alves e Cristiane. O técnico Vadãodeve estar orgulhoso. Como todos nós
deveríamos estar se realmente valorizássemos o futebol feminino. Por estranha
coincidência, no mesmo dia em que as brasileiras conquistaram o ouro em
Toronto, a FIFA promoveu o sorteio dos jogos das eliminatórias da COPA 2018 de
futebol masculino, a ser realizada na Rússia. Lá estava de novo o mesmo teatrão,
tão faustoso quanto falso, transmitido ao vivo pela GLOBO, como se fosse um
grande acontecimento. No enorme palco, rica e bregamente decorado,
desproporcional para um simples sorteio, Ronaldinho com sua
eterna cara de “não sei muito bem o que
estou fazendo...” exibiaplaquetinhas com os nomes dos nossos adversários.
Lá está a Colômbia de novo... será que agora vai? É a pergunta repetida a cada
4 anos. Mas enquanto os homens nos decepcionam, as mulheres surpreendem e
conquistam. Sem dinheiro, sem mídia, sem Barcelona, sem Nike, sem
puxa-saquismo, sem nada... O pequeno grupo que vi torcendo pelo nosso time de
futebol feminino parece indicar que algo vem mudando, mas mesmo assim, devemos
a elas um pedido de desculpas.
Meros parabéns não fazem jus às
campeãs do PAN 2015 no futebol feminino! Essas atletas merecem muito mais,
merecem um pedido de perdão. Perdoem-nos campeãs!,porque nós não acreditamos em
vocês. Perdoem-nos campeãs!,pela nossa visão obscura e arcaica que ainda
insiste na divisão machista do trabalho, do sexo, da orientação sexual, da
diversão e do esporte. Perdoem-nos campeãs!,pela nossa vileza que teima em
valorizar e visibilizar somente o futebol masculino; perdoem-nos campeãs!, por
não sabermos seus nomes e nem suas histórias; perdoem-nos a nós jornalistas e
mídia esportiva porque não informamos nada sobre vocês; perdoem-nos campeãs por
nem nos interessarmos por vocês, por não assistirmos seus jogos, por não
reunirmos os amigos para vê-las, por não fazermos churrasco nem tomarmos
cerveja ao redor da tevê, por não comemorarmos com entusiasmo suas vitórias;
perdoem-nos por não soltarmos foguetes diante dos seus gols; por não
insultarmos o juiz e seus assistentes diante dos erros de arbitragem;
perdoem-nos por nossa misoginia absoluta. Só não nos perdoem por não chorarmos
suas derrotas, pois desse pedido de perdão as campeãs não precisam.
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