ANGELA MARIA "" A ETERNA CANTORA DO BRASIL
ALVARO COSTA E SILVA
No auge da sua popularidade, na segunda metade dos anos 1950, os fãs sabiam de cor as medidas de Angela Maria: pescoço, 30 cm; busto, 81 cm; cintura, 57 cm; quadris, 90 cm; altura, 1,50 m; peso, 46 kg.
Também era de conhecimento público que Angela calçava sapatos número 34; "M" era a inicial do (então) nome do seu amor; usava no cabelo vaselina pura, nas unhas esmalte Dorothy Gray e, nas pernas, meias bem finas; morria por um risoto de peru.
Sobretudo sentia prazer em tirar fotografias. Não era para menos: a cantora –que, aos 86 continua em atividade, gravando e fazendo shows– foi um fenômeno de mídia, tendo sido capa de 250 revistas entre as décadas de 1950 e 1970.
"Não é exagero. Eu li cerca de 5.000 matérias de jornais e revistas", diz o jornalista e pesquisador Rodrigo Faour, autor de "Angela Maria: A Eterna Cantora do Brasil", que acaba de chegar às livrarias pela Record.
Com impressionante quantidade de informação, a obra ultrapassa as 800 páginas, trazendo uma lista dos maiores sucessos ("Orgulho", "Vida de Bailarina", "Abandono"), discografia e filmografia, com ainda dois encartes com 120 imagens (inúmeras capas de "Radiolândia", "Revista do Rádio", "Escândalo"). O autor levou um ano para escrever o texto e quatro meses às voltas com a pós-produção.
O livro é também um documento sobre as relações da mídia com o meio artístico no Brasil do século 20.
Uma tentativa de suicídio deu primeira página. Em setembro de 1965, Angela cortou o pulso esquerdo com gilete, mas disse que havia sido vítima de um acidente, ao se ferir com uma lâmina enquanto desmanchava a bainha de uma saia. Na mesma época, os jornais noticiaram que o companheiro dela estava sendo investigado por passar cheques sem fundo.
"Não escondi nada, nem uma linha sobre os seus seis casamentos, sobre os quais ela não gosta de falar. Angela foi do céu ao inferno em sua vida pessoal, ludibriada por maridos, namorados, empresários, falsos amigos que se aproveitaram de sua boa-fé", diz Faour, que fez duas grandes entrevistas com a biografada e comparou dados com depoimentos de contemporâneos.
"Na verdade, eu gostaria que algumas coisas do passado não fossem reveladas. Mas fazer o quê? O autor foi sincero comigo, estabelecemos uma relação de confiança."
A avó paterna de Abelim (seu nome de verdade) era negra e escrava e o avô, português; o avô materno, neto de alemão e a avó, descendente de índios. Nascida em Conceição de Macabu (RJ), cresceu morena com traços de mulata, praticamente criada longe da família paupérrima, em casa de parentes e conhecidos.
Pouco antes de completar 22, já era uma estrela da MPB, e mesmo assim algumas revistas de fofoca se referiam a ela com o termo preconceituoso "colored". Misturas de cerveja eram conhecidas como Angela Maria, porque "não eram brancas nem pretas".
"Ela levou cerca de três anos para fazer sucesso, mas, a partir daí, ninguém a segurou", diz o escritor Ruy Castro, que coincidentemente fez da cantora um dos personagens de seu próximo livro, "A Noite do Meu Bem: a História e as Histórias do Samba-Canção", a sair em 10 de novembro.
O depoimento do pesquisador Jairo Severiano dimensiona a importância da interprete que o presidente Getúlio Vargas apelidou de Sapoti: "Nos anos 1950, sobressaíram Dalva de Oliveira, Angela Maria, Marlene e Emilinha, as duas primeiras dividindo as preferências dos que tinham como razão de sua idolatria as qualidades artísticas. À voz doce, aguda, pungente de Dalva, Angela replicava à altura com a beleza de seu raro timbre e a capacidade de superar a rival com o vigor de sua jovem voz".
O jeito fogoso de interpretar inspirou muitas cantadas no início da carreira. Numa excursão à República Dominicana, o ditador Trujillo mandou-lhe flores e bilhetinhos todas as noites. Louis Armstrong deixou a seguinte impressão: "Ele gostava da minha voz, mas era safado pra caramba... Já queria passar a mão em mim".
Depois de Dalva de Oliveira, a grande concorrência foi com Maysa, ainda mais chegada a dores de cotovelo. A disputa rendeu o sucesso "Babalu", mambo de Margarita Lecuona.
A partir de década de 1970, a ex-Rainha do Rádio maldosamente passou a ser chamada de Rainha da Cafonália, em razão das escolhas de seu repertório. "Admito que ela gravou muita porcaria. Mas tenho certeza de que a voz de Angela a redimia e a redime de qualquer coisa. Tanto que ela continua estrela até hoje", declara o biógrafo.
Ouça o novo disco de Angela Maria, 'À Vontade em Voz e Violão'
Também era de conhecimento público que Angela calçava sapatos número 34; "M" era a inicial do (então) nome do seu amor; usava no cabelo vaselina pura, nas unhas esmalte Dorothy Gray e, nas pernas, meias bem finas; morria por um risoto de peru.
Sobretudo sentia prazer em tirar fotografias. Não era para menos: a cantora –que, aos 86 continua em atividade, gravando e fazendo shows– foi um fenômeno de mídia, tendo sido capa de 250 revistas entre as décadas de 1950 e 1970.
"Não é exagero. Eu li cerca de 5.000 matérias de jornais e revistas", diz o jornalista e pesquisador Rodrigo Faour, autor de "Angela Maria: A Eterna Cantora do Brasil", que acaba de chegar às livrarias pela Record.
Reprodução | ||
A cantora alemã Marlene Dietrich ao lado de Angela Maria |
O livro é também um documento sobre as relações da mídia com o meio artístico no Brasil do século 20.
Uma tentativa de suicídio deu primeira página. Em setembro de 1965, Angela cortou o pulso esquerdo com gilete, mas disse que havia sido vítima de um acidente, ao se ferir com uma lâmina enquanto desmanchava a bainha de uma saia. Na mesma época, os jornais noticiaram que o companheiro dela estava sendo investigado por passar cheques sem fundo.
"Não escondi nada, nem uma linha sobre os seus seis casamentos, sobre os quais ela não gosta de falar. Angela foi do céu ao inferno em sua vida pessoal, ludibriada por maridos, namorados, empresários, falsos amigos que se aproveitaram de sua boa-fé", diz Faour, que fez duas grandes entrevistas com a biografada e comparou dados com depoimentos de contemporâneos.
RELAÇÃO DE CONFIANÇA
Com um problema de saúde no olho esquerdo, que lhe tirou 30% da visão, Angela diz que ainda não leu a biografia. "A gente sempre tem receio de ver a vida exposta. Mas, como até a escola de samba Rosas de Ouro fez um enredo sobre mim, aceitei com naturalidade o pedido", afirma."Na verdade, eu gostaria que algumas coisas do passado não fossem reveladas. Mas fazer o quê? O autor foi sincero comigo, estabelecemos uma relação de confiança."
A avó paterna de Abelim (seu nome de verdade) era negra e escrava e o avô, português; o avô materno, neto de alemão e a avó, descendente de índios. Nascida em Conceição de Macabu (RJ), cresceu morena com traços de mulata, praticamente criada longe da família paupérrima, em casa de parentes e conhecidos.
Pouco antes de completar 22, já era uma estrela da MPB, e mesmo assim algumas revistas de fofoca se referiam a ela com o termo preconceituoso "colored". Misturas de cerveja eram conhecidas como Angela Maria, porque "não eram brancas nem pretas".
Reprodução | ||
Capa da "Revista do Rádio" com Angela Maria ao lado de Cauby Peixoto |
O depoimento do pesquisador Jairo Severiano dimensiona a importância da interprete que o presidente Getúlio Vargas apelidou de Sapoti: "Nos anos 1950, sobressaíram Dalva de Oliveira, Angela Maria, Marlene e Emilinha, as duas primeiras dividindo as preferências dos que tinham como razão de sua idolatria as qualidades artísticas. À voz doce, aguda, pungente de Dalva, Angela replicava à altura com a beleza de seu raro timbre e a capacidade de superar a rival com o vigor de sua jovem voz".
O jeito fogoso de interpretar inspirou muitas cantadas no início da carreira. Numa excursão à República Dominicana, o ditador Trujillo mandou-lhe flores e bilhetinhos todas as noites. Louis Armstrong deixou a seguinte impressão: "Ele gostava da minha voz, mas era safado pra caramba... Já queria passar a mão em mim".
Depois de Dalva de Oliveira, a grande concorrência foi com Maysa, ainda mais chegada a dores de cotovelo. A disputa rendeu o sucesso "Babalu", mambo de Margarita Lecuona.
A partir de década de 1970, a ex-Rainha do Rádio maldosamente passou a ser chamada de Rainha da Cafonália, em razão das escolhas de seu repertório. "Admito que ela gravou muita porcaria. Mas tenho certeza de que a voz de Angela a redimia e a redime de qualquer coisa. Tanto que ela continua estrela até hoje", declara o biógrafo.
Ouça o novo disco de Angela Maria, 'À Vontade em Voz e Violão'
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