Obra de Nauro Machado sera debatida por Ivan Junqueira

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Obra de Nauro Machado sera debatida por Ivan Junqueira

A densa obra do poeta maranhense será debatida durante a palestra de abertura da 7ª Feira do Livro.

15/09/2013 00h00

ALTERNATIVO - O ESTADO DO MARANHÃO 

Outros aspectos que se destacam na sua trajetória são os trabalhos ensaísticos e os de crítica literária. Como você vê a crítica literária praticada no Brasil atualmente?
Ivan Junqueira- A crítica literária que eu lia nas décadas de 1950 e 1960 até, mais ou menos, o fim da de 1980, não existe mais. Atualmente, o crítico se refugiou nas universidades. Os grandes suplementos literários estão à míngua, povoados de curiosos e incompetentes, de pessoas totalmente alheias ao ofício. Trata-se, desgraçadamente, de um fenômeno brasileiro, pois esses suplementos continuam prestigiados e fortíssimos nos Estados Unidos e na Europa, inclusive em Portugal, onde sobrevive o notável Jornal das Letras, quinzenalmente editado em Lisboa, e que, neste mês, alcançou o seu espantoso número 1.119. Nossa crítica militante, da qual Wilson Martins foi o “último dos moicanos”, pertence ao passado, como ao passado pertence, em muitos sentidos, o nosso país. Não sou saudosista, mas é uma lástima que não se leiam mais Augusto Meyer, Othon Moacyr Garcia, Álvaro Lins, Otto Maria Carpeaux, Alceu Amoroso Lima e tantos outros, que promoviam uma verdadeira festa do espírito e da inteligência. Os que sobraram – repito – não estão mais nos jornais, mas nas universidades.
“Os mortos sentam-se à mesa,/mas sem tocar na comida;/ora fartos, já não comem/senão côdeas de infinito”. Comentadores de sua obra apontam para a recorrência do tema morte, como no quarteto do poema Os Mortos, de seu livro de estreia. Também encontramos em Drummond, com o “poema de sete faces”, e Nauro Machado, com O parto, aspectos que parecem anunciar toda uma trajetória poética logo nos primeiros versos de seus primeiros livros.
Ivan Junqueira- De fato, o tema da morte me acompanharia pela vida afora, ao lado de outros, como o do amor, da existência, da fugacidade do tempo, da infância, da memória. Na condição de agnóstico empedernido, duvido muito que haja alguma coisa depois da vida terrena, o que se me afigura um absurdo tanto do ponto de vista do espírito quanto da alma, que é o espírito encarnado. Mas se você ler com um mínimo de atenção os meus poemas, perceberá que, na verdade, o que eu celebro é a vida. Lembro aqui, a propósito, a última estrofe do poema com o qual fecho a minha coletânea A sagração dos ossos, também laureada com o Prêmio Jabuti de Poesia em 1995: “Sagro estes ossos que, póstumos, /recusam-se à própria sorte,/ como a dizer-me nos olhos:/ a vida é maior que a morte”. O que eu lamento não é exatamente a morte, nosso destino comum, mas sim a precariedade da vida. Mais uma vez, como entrevistador, você acerta: o texto de Os mortos, escrito há meio século, haveria de marcar como um sinete de fogo toda a minha futura trajetória de poeta.
Você será o palestrante de abertura da próxima Feira do Livro de São Luís, que terá o poeta Nauro Machado como patrono. A obra de Nauro começou a ser publicada na década de 1950, logo após o surgimento da chamada Geração de 45, e se estende até os dias atuais. Qual a importância de uma obra tão vasta e significativa para a literatura brasileira?
Ivan Junqueira- Ela é importante não apenas por sua opulência bibliográfica (afinal, são perto de 40 títulos publicados), mas também por sua originalidade, sua funda vinculação ao ser e à nossa riquíssima herança lírica, sua vertiginosa angústia existencial, sua solidão individual, seu permanente desconforto metafísico, seu singularíssimo expressionismo sombrio, e, last but not least, sua inquebrantável fidelidade a si mesmo, o que me lembra aquela imagem do carvalho heideggeriano, ou seja, aquele que nunca se repete porque imperceptivelmente se move em sua aparente imobilidade. E isso faz com que o reconheçamos desde o primeiro de seus poemas até o último. Outro dado significativo na trajetória de Nauro Machado – e de alguns outros poetas de Norte a Sul do país, a partir de 1960 – é que ele preferiu ficar em sua província, contrariando aquele verdadeiro êxodo, muito em voga nas décadas de 1930 até 1960, quando os poetas se transferiram para o Rio ou São Paulo em busca de prestígio literário. Nauro enraizou-se em São Luís, ali escreveu toda a sua obra e é hoje reconhecido, sem favor algum, como um dos nossos mais altos poetas contemporâneos.
Tradição cultural e literatura estão ligadas?
Ivan Junqueira- Profundissimamente. Não existe literatura sem tradição cultural. Devemos tudo aos que escreveram antes de nós, e, em certo sentido, da mesma forma que é necessário “make it new”, como dizia Pound, é preciso que façamos também “make it old”. Não acredito em poeta sem cultura literária e que não esteja antenado naquilo que legaram seus ancestrais. Veja o exemplo desses grandes poetas que tive o privilégio de traduzir: nenhum deles esqueceu a lição do passado. Nesse sentido, é crucial e esclarecedor o memorável ensaio Tradição e talento individual, de T.S. Eliot, que sempre entendeu a literatura (e, sem dúvida, a cultura) como um continuum que nos vem desde Homero. O poeta, para tornar-se digno desse nome, tem que se dedicar profundamente à sua formação literária. Poeta mal nutrido não chega a lugar nenhum. Não passará jamais de um fruto enfezado. E aqui fica o exemplo inexcedível de Manuel Bandeira: o poeta praticamente mais culto de toda a nossa literatura. Por isso, e só por isso, era sábio, simples e humilde.

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