Günter Grass, autor que revolveu feridas alemãs, morre aos 87

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Günter Grass, autor que revolveu feridas alemãs, morre aos 87

Escritor ganhou renome ao examinar em sua obra passado do país e escandalizou o mundo ao revelar, em 2006, ter integrado forças nazistas

Autor de 'O Tambor', que estava internado com infecção pulmonar, afirmou que Israel ameaçava paz mundial
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHA

O alemão Günter Grass, escritor que ganhou renome internacional na segunda metade do século 20 por revolver o incômodo histórico nazista de seu país, morreu nesta segunda (13), aos 87 anos, em um hospital em Lübeck, no norte da Alemanha.

Traduzido para mais de 50 idiomas, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1999, Grass estava internado fazia poucos dias com infecção pulmonar. Segundo sua secretária, Hilke Ohsoling, a morte foi inesperada.


No dia 28, na última aparição pública, ele foi à estreia, em Hamburgo, de peça baseada no livro que lhe deu notoriedade, "O Tambor" (1959). No dia 21, foi entrevistado pelo jornal espanhol "El País" --que destacou que, apesar da dificuldade para respirar, Grass não largava o cachimbo e parecia "jovial e alegre".
Intelectual de esquerda, reconhecido por estimular os compatriotas a enfrentarem o passado do país, Grass esteve no centro de várias controvérsias nos últimos anos.

Em 1990, questionou a reunificação da Alemanha após a queda do Muro de Berlim. Em 2006, escandalizou o mundo ao admitir que, aos 17 anos, recrutara-se voluntariamente na guarda de elite de Hitler na Segunda Guerra. Em 2012, foi acusado de antissemitismo por Israel, ao criticar o programa nuclear do país.

Nascido em 16 de outubro de 1927 na cidade de Danzig (atualmente na Polônia), Grass estudou artes em Düsseldorf e Berlim. Depois da guerra, juntou-se a um grupo de escritores que incluía Ingeborg Bachmann e Heinrich Böll, destacando-se ainda como artista e representante do "teatro do absurdo" alemão.

Em 1956, em Paris, iniciou a escrita de "O Tambor", retratando a ascensão do nazismo na Alemanha sob o olhar de um menino que se recusa a crescer --metáfora para o momento político que o país vivia naquele período.

Lançado em 1959, o romance teve recepção hostil na Alemanha e virou best-seller mundial. A consagração viria em 1979, com a adaptação ao cinema, por Volker Schlöndorff, vencedora da Palma de Ouro em Cannes e do Oscar de filme estrangeiro.

"O Tambor" foi considerado pela revista alemã "Der Spiegel" "a origem da literatura alemã do pós-guerra". Para a publicação, sem as intervenções do autor, "a Alemanha seria outra". Grass sempre defendeu que o escritor deve protagonizar o debate público.
Essa postura deu origem a obras como "Passo de Caranguejo" (Nova Fronteira, esgotado), que investiga a história do antissemitismo, e "Um Campo Vasto" (Record), em que, às vésperas da queda do Muro de Berlim, personagens revivem traumas do país.
"Percebi que tinha de tratar de certos temas", disse, no dia 21, ao "El País". "O Holocausto e o genocídio, esses crimes horríveis, são uma história que não acaba nunca."
Em 1999, ao lhe outorgar o Prêmio Nobel, a Academia Sueca argumentou que o fazia pela capacidade do escritor de "brincar com fábulas negras" que "retratam uma face esquecida da história".
FIM DO SILÊNCIO
Foi em "Nas Peles da Cebola" (Record), parte de suas memórias, que revelou ter integrado voluntariamente, na adolescência, a Waffen SS, força de elite dos nazistas. Até então, admitia apenas ter sido recrutado em 1944 para apoiar equipes da artilharia antiaérea, ficando como prisioneiro de guerra até 1946.
"Eu me mantive em silêncio. Porque tantos outros mantiveram o silêncio, a tentação é grande... De colocar a responsabilidade na culpa coletiva, ou falar de si mesmo apenas num sentido figurativo e terceira pessoa: ele foi, viu, disse, ele ficou quieto", escreveu nas memórias.
A intensidade das críticas na ocasião o abalou. "A imprensa me adjudicou o título de 'consciência da nação'. Agora, em campanha atroz de linchamento, tirou esse título que me deu", disse, em entrevista de 2013.
A revelação foi ainda usada contra ele quando, em 2012, escreveu poema em prosa dizendo que Israel ameaçava a paz mundial ao querer atacar o Irã sob o argumento de que este poderia ter armas nucleares. O governo israelense evocou o passado nazista do escritor e o declarou "persona non grata".
Em janeiro de 2014, Grass informou que não escreveria mais romances. "Meu estado de saúde não permite que me dedique a projetos de cinco ou seis anos, condição para o trabalho de pesquisa de um romance." No entanto, estava prestes a publicar um livro com poemas, textos curtos em prosa e desenhos.
Nesta segunda, o escritor Salman Rushdie foi um dos primeiros a se manifestar pela morte do amigo. "É muito triste. Um verdadeiro gigante, inspiração e amigo", escreveu no Twitter.
Günter Grass deixa mulher, seis filhos, dois enteados e 18 netos.

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