Blocos Tradicionais e a Festa do Divino Espirito Santo em processo de avaliacao
Bens do Brasil
Assim como o tambor de crioula e o bumba meu boi, os blocos tradicionais do Maranhão e a Festa do Divino Espírito Santo estão em processo de avaliação
Ricardo Alvarenga
Da Equipe de O Estado-ALTERNATIVO
Da Equipe de O Estado-ALTERNATIVO
10/11/2013

Em 2007, o tambor de crioula foi registrado como um dos bens do Patrimônio Imaterial do Brasil, título concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A manifestação foi inscrita no Livro de Formas de Expressão. Em 2011, o Complexo do Bumba Meu Boi do Maranhão foi inscrito no Livro das Celebrações. Agora, outras duas manifestações maranhenses estão em processo de obtenção do registro. Trata-se dos blocos tradicionais e da Festa do Divino Espírito Santo.
Segundo a superintendente do Iphan no Maranhão, Kátia Bogea, o inventário do bloco tradicional já foi elaborado e está em fase de análise pelo instituto. A Festa do Divino Espírito Santo será a próxima manifestação maranhense a ser submetida ao processo de reconhecimento. “Os blocos tradicionais são uma manifestação cultural peculiar da Ilha de São Luís, e a Festa do Divino tem uma expressão fortíssima no Maranhão”, ressaltou Kátia Bogéa.
O principal benefício que as manifestações têm com o registro são as ações de salvaguarda dos inventários, documentos e estudos que obrigatoriamente são feitos para a obtenção do título. Esses estudos ajudam a identificar quais problemas ameaçam a continuidade da existência desses bens e também de que forma sua produção, circulação e valorização podem contribuir para melhorar a vida das pessoas que com eles se identificam.
O plano de salvaguarda indica de que forma o Estado e a sociedade agirão, a partir daquele momento, para preservar a manifestação. “Trabalhamos na salvaguarda para que os seus praticantes se apoderem daquilo e eles mesmos protejam”, completou Kátia Bogéa.
Com o registro, uma manifestação cultural passa a ser considerada Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo reconhecimento do Governo Federal, conforme estabelece o decreto. “A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira”, conforme Artigo 1° do decreto 3.551, sobre o registro de bens imateriais brasileiro.
Blocos
Os blocos tradicionais se subdividem em mais de 52 grupos e têm como principal diferencial a sua batida peculiar que os tornam diferentes de todas as outras manifestações da capital. Foi justamente pela peculiaridade do som e da disseminação da tradição é que os blocos estão em processo de obtenção do registro. “Temos encaminhado o processo dos blocos tradicionais, que é uma manifestação cultural que só ocorre na Ilha de São Luís”, comentou Kátia Bogéa.
A pesquisa e o inventário da manifestação foram iniciados no dia 8 de maio de 2009, sendo entregues formalmente ao Iphan no mês de maio deste ano, como parte das comemorações do Dia Municipal do Bloco Tradicional, que é festejado nessa data após oficialização por uma lei municipal.
Os blocos surgiram na primeira metade do século XX e eram conhecidos como blocos de ritmo. Somente a partir da década de 1930 é que a manifestação ganhou mais visibilidade. É marcada pelo som das retintas, cabaças, reco-recos, agogôs, ganzás, maracás, rocas, afoxés e apitos, além da forte presença dos grandes tambores de compensado cobertos por couro. Com a grande aceitação na capital, logo se espalharam por São José de Ribamar e Paço do Lumiar, municípios que compõem a Ilha de São Luís.
Atualmente, 47 blocos tradicionais se apresentam no Carnaval de São Luís. São eles: Os Coringas, Príncipe da Meia-Noite, Os Lobos, Os Perfeccionistas, Dragões da Liberdade, Os Magnatas, Falcão de Prata, Os Inacreditáveis, Alegria do Ritmo, Tradicionais do Ritmo, Vinagreira Show, Os Gaviões do Ritmo, Os Gladiadores, Geração do Ritmo, Arlequim de Ouro, Fênix, Os Malabaristas, Os Especialistas do Ritmo, Renovação do Ritmo, Os Vingadores, Bola de Prata, Companhia do Ritmo, Os Reis da Liberdade, Os Curumins, Os Fenomenais, Os Guerreiros, Tropicais do Ritmo, La Boêmios de Fátima, Vigaristas do Ritmo, Príncipe de Roma, Os Brasinhas, Os Apaixonados, Pierrot, Originas do Ritmo, Os Guardiões, Os Vigaristas, Kambalacho do Ritmo, Os Tremendões, Os Trapalhões, Mensageiros da Paz, Os Diplomáticos, Os Vampiros, Os Indomáveis, Os Versáteis, Os Foliões, Os Fanáticos e Os Feras.
Festa do Divino
Oficialmente, o processo de obtenção do registro de Patrimônio Cultural Imaterial para a Festa do Divino ainda não foi iniciado. Porém, segundo Kátia Bogéa, o Iphan prevê para breve o início do processo de registro de outras expressões, no qual destaca-se a prioridade da Festa do Divino Espírito Santo, que tem suas origens em Portugal no século XIV, com uma celebração estabelecida pela rainha Isabel (1271-1336) por ocasião da construção da Igreja do Espírito Santo, na cidade de Alenquer. Porém, com sua chegada ao Brasil, a festa assumiu características próprias e diferentes em cada parte do país. Ao Maranhão, a manifestação chegou entre os anos de 1615 e 1625.
A Festa do Divino é uma das maiores expressões de fé popular no Maranhão. O festejo tem perpassado os limites do tempo e vem sendo realizado e rezado desde o período colonial com elegância e costumes daquela época. Apesar da simplicidade de quem realiza os festejos, os grupos sempre apresentam desfiles de luxo que remete, à época áurea do Império.
No Maranhão, são quase 200 grupos que festejam o Divino. A festa acontece em 23 municípios. Alguns deles são Alcântara, São Luís, Anajatuba, Bequimão, Cajari, Caxias, Cedral, Codó, Humberto de Campos, Icatu, Itapecuru-Mirim, Matinha, Mirinzal, Paço do Lumiar, Palmeirândia, Penalva, Pinheiro, São Bento, Santa Helena, São José de Ribamar, Rosário e Viana.
Em São Luís, no mês de maio, a festa acontece em muitas casas de religião de matriz africana, a exemplo das casas das Minas e de Nagô, bem como na cidade de Alcântara, distante 1 hora e 15 minutos de São Luís, pela Baía de São Marcos. Nas demais cidades do interior e algumas casas de culto afro da capital maranhense, a festa acontece no decorrer do ano, de acordo com a escolha da data do festeiro por uma promessa a um santo ou por ocasião do seu aniversário.
Acoes de salvaguarda para preservar a tradicao
O tambor de crioula e o bumba-boi, reconhecidos como bens imateriais, estão em processo de revalorização.

Otambor de crioula e o Complexo do Bumba meu Boi do Maranhão são as duas manifestações culturais maranhenses que já receberam o registro de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Apesar dos dois processos terem sido motivados pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), segundo Kátia Bogéa, a iniciativa deve surgir dos integrantes da manifestação. “Não é o Iphan que tem de mobilizar esse processo de registro. É a própria sociedade. Até porque, para você reconhecer um bem cultural de natureza imaterial, existe toda uma metodologia. Para ser solicitado o registro, é preciso ter feito antes um inventário daquele bem e, com a obtenção do registro, surge uma série de regras e obrigações para a salvaguarda”, destacou.
O tambor de crioula recebeu o registro em 18 de junho de 2007, sendo o 11º bem cultural de natureza imaterial inscrito em um dos quatro Livros de Registro do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, além de ser a primeira expressão maranhense registrada. A manifestação recebeu o registro por sua representatividade e ligação histórica à resistência cultural dos negros e de seus descendentes.
Para o coordenador-geral do Comitê Gestor de Salvaguarda do Tambor de Crioula, Neto de Azile, a manifestação ainda precisa ser mais valorizada pela população da capital maranhense. “É preciso desmistificar as ideias negativas sobre o tambor de crioula por ele ser uma manifestação que tem como base a religião africana. Existe um preconceito que vem a partir da ignorância, do não conhecimento. Logo, a própria população de São Luís tem de reconhecer e abraçar esta manifestação, porque aqui é o berço do tambor de crioula”, opinou.
Por todas essas questões, o Iphan, em parceria com o Comitê Gestor do Tambor de Crioula, iniciou as ações de salvaguarda da manifestação. “Agora, estamos trabalhando na salvaguarda do tambor. Entre as ações de salvaguarda estão oficinas de tambor de crioula para crianças e adolescentes. Além da construção da Casa do Tambor de Crioula, a proposta do espaço é ser museógrafo, onde as pessoas vão poder encontrar uma exposição permanente sobre a trajetória do tambor, além de espaços para oficinas, biblioteca específica e um estúdio onde os grupos poderão realizar a gravação dos seus trabalhos e também alugar para garantir o autossustento da casa”, afirmou Kátia Bogéa.
Além disso, a pesquisa feita durante o processo de obtenção do registro msotrou que os praticantes têm dificuldade de encontrar as parelhas do tambor, que são feitas de madeira, protegida pelo Ibama. Os praticantes estão perdendo aquela sabedoria de como tirar a madeira certa da mata e de como esculpi-la.
Manifestação – O Complexo do Bumba meu Boi do Maranhão foi a segunda manifestação maranhense a receber o registro, apesar de o seu processo ter sido iniciado antes do tambor de crioula. O registro foi concedido no dia 30 de agosto de 2011 e a manifestação inscrita no Livro das Celebrações como o 23º bem cultural de natureza imaterial do Brasil.
Entre os motivos do recebimento do título, a forma de expressão, a grande celebração aos santos juninos e a referência ao ciclo da vida e ao boi animal contribuíram. “Não é só o bumba meu boi. O que foi registrado foi o Complexo do Bumba meu Boi. Porque o boi não pode ser visto só pela sua religiosidade, só pelo seu artesanato, só pelo seu sotaque, só pelas suas indumentárias. Existe uma complexidade nesse mundo. Por isso foi feito o registro do complexo”, acrescentou Kátia Bogéa.
As ações de salvaguarda do Complexo do Bumba meu Boi do Maranhão ainda estão em face de construção e aplicação. Porém, durante o processo de registro foram produzidos materiais que funcionam como instrumentos de preservação da história dessa manifestação. Como por exemplo, o livro Bumba meu boi - som e movimento, resultado da pesquisa feita na área de música e dança do boi, por Joaquim Antonio dos Santos Neto, Tâmia Cristina Costa Ribeiro e Maria Raimunda Fonseca Freitas. A cartilha Bumba meu boi do Maranhão Patrimônio Cultural do Brasil é outra publicação que conta todo o processo pelo qual a manifestação passou até obter o título. O documentário Bumba-Boi - Festa e Devoção no Brinquedo do Maranhão também foi produzido para ser apresentado ao Iphan em Brasília.
Passo a passo
Para que um bem ou uma expressão popular receba o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil é preciso passar por um longo processo que legitima o registro.
1ª – Intenção
É preciso que um grupo, uma comunidade, associação ou instituição sinta a necessidade e manifeste o desejo de se tornar patrimônio cultural. O desejo deve partir dos praticantes do bem cultural;
2ª – Carta
O pedido deve ser feito por um proponente que pode ser uma instituição pública ou entidade da sociedade civil que represente os detentores do bem cultural. Um documento deve ser elaborado e assinado por representantes e praticantes do bem cultural e ao presidente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) com a solicitação de abertura do processo de registro;
3ª – Avaliação
O presidente do Iphan encaminha a documentação recebida ao Departamento do Patrimônio Imaterial, que convocará reunião da Câmara Técnica do Patrimônio Imaterial
para avaliar a pertinência do pedido;
4ª – Resposta
Com a carta resposta em mãos e favorável
ao inicio do processo, o grupo,
comunidade, associação ou instituição, terá um prazo de 18 meses para realizar a instrução técnica do processo, quer dizer reunir o maior número de informações sobre o referido bem ou expressão através de uma pesquisa;
5ª – Dossiê
Nessa fase, o proponente deve produzir
um dossiê do bem cultural. O dossiê deve conter um vídeo, a documentação fotográfica do bem, um dossiê descritivo em forma de livro sobre
os vários aspectos do bem cultural e outras peças que julgar necessárias à avaliação do bem;
6ª – Análise
Terminada a fase de instrução técnica do processo, o dossiê é enviado à Superintendência do Iphan do Estado onde ocorre o bem cultural, que emite o primeiro parecer técnico e encaminha ao Departamento do Patrimônio Imaterial. O departamento emite o segundo parecer técnico e encaminha à Procuradoria Jurídica
do Iphan, onde o processo recebe o parecer jurídico.
7ª – Publicação
Após o processo ser examinado pelo
Iphan, que emite o perecer técnico sobre o material reunido. O presidente do instituto determina a publicação, parcial do parecer técnico que foi emitido, na imprensa oficial, para que
a sociedade se manifeste no prazo de 30 dias.
8ª – Votação
Novamente o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, se reunirá para finalmente votar
a inscrição do bem ou expressão em um dos quatro Livros de Registro. Isso após apresentação
da defesa do relator do processo previamente escolhido pelo Presidente do Iphan.
9ª – Inscrição
A partir da decisão expressa na reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, um documento será escrito, no qual se solicita a inscrição do bem ou expressão em um dos Livros de Registro. O documento é assinado por todos os conselheiros e pelo Presidente do Iphan. O título tem validade de 10 anos.
Mais
O instrumento de que se dispõe para a preservação
do patrimônio cultural é o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial.
O Registro se efetiva por meio da inscrição do bem em um ou mais de um dos seguintes Livros:
Livro de Registro dos Saberes – para a inscrição de conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
Livro de Registro das Celebrações – para rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;
Livro de Registro das Formas de Expressão – para o registro das manifestações literárias, musicais,
plásticas, cênicas e lúdicas;
Livro de Registro dos Lugares - destinado à inscrição de espaços como mercados, feiras, praças e santuários, onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
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