Ah, se não fosse a realidade!
FERREIRA GULLAR
Não me lembro de nenhum presidente que, após ser eleito, desapareça da vista da nação, como fez Dilma
Não me lembro de nenhum presidente da República que, após ser eleito e empossado, desapareça da vista da nação, como fez Dilma Rousseff. Em geral, o que ocorre é o contrário: já que, eleito ou reeleito, o presidente conta com a acolhida da maioria da opinião pública, que lhe deu a vitória nas urnas.
Mas a Dilma sumiu. Ela, que esteve em 2014 no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, onde garantiu que a economia brasileira ia às mil maravilhas, desta vez não foi lá: mandou o seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nomeado por ela para corrigir os erros que ela e Mantega cometeram.
Claro que ela não poderia voltar a Davos para desdizer tudo o que dissera antes. Esse papel coube ao ministro Levy que é, aliás, o único de seus ministros que se atreve a chamá-la de presidente e não de presidenta. Não se sabe até quando.
Pois bem, em vez de ir a Davos, dirigiu-se a La Paz para homenagear Evo Morales, também reeleito presidente da Bolívia. Dá para entender. Lá não seria obrigada a explicar por que mudou tão radicalmente uma política econômica que, segundo ela mesma, era um sucesso.
Enquanto isso, o mago João Santana --capaz de mudar água para vinho-- preparava o discurso que ela pronunciaria na primeira reunião com todos os seus 39 ministros.
Era um discurso difícil, não apenas porque teria que explicar por que mudou a política econômica, como também por que extinguiria direitos dos trabalhadores, que ela prometera preservar, "nem que a vaca tussa".
Uma encrenca, sem dúvida, mas teria de enfrentá-la, mesmo porque a principal característica do lulo-petismo é manter-se, diante do povão, como o salvador da pátria.
É certo que todo partido procura colocar-se, perante o eleitorado, como capaz de resolver os problemas do país e, particularmente, melhorar a vida de cada cidadão. Mas isso não é a mesma coisa que propõe o PT, como partido originário da esquerda revolucionária.
Isso porque, diferentemente dos demais partidos, o partido revolucionário promete mudar radicalmente a sociedade, alijando do poder os exploradores do povo, isto é, os capitalistas. Noutras palavras, o partido de esquerda é essencialmente ideológico, defende a criação de uma nova sociedade, dirigida não pelos patrões e, sim, pelos trabalhadores. Teoria essa que, na prática, mostrou-se inviável, uma vez que, em nenhum dos países onde o comunismo chegou ao poder, o governo foi exercido por trabalhadores.
Esses partidos não existem mais. Os que existem, como o PT, por exemplo, são na verdade partidos populistas, que se apresentam como defensores dos pobres, mas se aliam a setores empresariais, aos quais fazem concessões para se manter no poder.
Porque não podem mostrar-se, diante dos seus eleitores, como realmente são; fazem o jogo dos interesses empresariais, mas discursam como adversários deles.
E, assim, ganham os dois: os capitalistas, que nada têm a temer --consequentemente ganham mais--, e os populistas, que manipulam o descontentamento dos pobres com programas assistencialistas.
Esse foi o discurso do PT, que o manteve desde sempre, enquanto foi possível. Agora, no caso de Dilma Rousseff, a situação encrencou, porque a política governamental adotada, após anos e anos, terminou por levar a economia do país a esta situação crítica, o que a obrigou a chamar alguém para evitar que o barco afunde.
Mas como dizer essa verdade ao país se, até outro dia, durante a campanha eleitoral, afirmava o contrário? E, sobretudo, como dizê-la ao eleitorado petista que, por sua vez, não quer ouvir a verdade? Não pode, claro. Daí o estranho discurso que Dilma fez a seus ministros e a seus eleitores.
É que ela vai fazer, neste novo mandato, tudo o que disse que não faria. E acusava Aécio Neves de desejar fazer, quando, de fato, tratava-se de medidas exigidas pela situação crítica a que ela, Dilma, levara o país.
Por isso mesmo, como não pode dizer que não o fará, tampouco que o fará, pronunciou um discurso de crioulo doido quando garantiu que a mudança radical que sofrerá a sua política econômica é apenas a continuação natural daquela que fracassou. Por que, então, demitiu Guido Mantega, o responsável por ela?
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