'Eu faço toadas que refletem os problemas vividos pela sociedade'
LELÉ DA PINDOBA
Filho e neto de boieiros, o cantador do Boi da Pindoba não almejava seguir os passos dos seus ascendentes.
Jock Dean
Da equipe de O Estado
Eliézio Catarino da Silva nasceu na comunidade da Pindoba, no município de Paço do Lumiar, onde há mais de 100 anos a população se reuniu para contar a história de Pai Francisco e Mãe Catirina no Boi da Pindoba, cujas apresentações ele acompanha desde muito jovem. Embora não desejasse ser cantador de bumba meu boi, arte que ele domina há mais de 30 anos, mas filho e neto de boieiros parecia ser uma questão de tempo até ele seguir a tradição da família.
Lelé, como é conhecido o cantador do Boi da Pindoba, morou na comunidade até os 17 anos, quando se mudou para a casa de uma tia no Sacavém, em São Luís, para poder terminar os estudos. Durante toda a sua infância e adolescência ele acompanhou o pai, Benedito Acassio Ramos, que era diretor do Boi da Pindoba, nos ensaios e apresentações do grupo, mas não tinha a menor pretensão de seguir seus passos. "Eu olhava o boi, mas não dava muita importância. Eu achava aquilo tudo muito cansativo", confessa.
Apesar disso, seguindo a tradição da comunidade, ele se apresentava com outras crianças da Pindoba em grupos de bumba meu boi montados especialmente para elas se divertirem, além de não perder um dia de arraial durante a temporada junina. "A gente montava boi de cofo e saía pelas ruas no São João, dançando, cantando e nos divertindo, mas era tudo empolgação de criança", conta.
Foi apenas aos 23 anos que Lelé começou a se dedicar à vida artística. Por influência de um dos seus seis irmãos, começou a tocar instrumentos de percussão e logo passou a integrar grupos musicais, cantando e compondo sambas. "Meu irmão também cantava e compunha sambas. Foi com ele que eu aprendi e também foi ele que me colocou nesse meio. Aos poucos, o que era só uma diversão de fim de semana foi tomando rumos mais sérios e quando eu me vi já estava à frente de grupos de pagode formados com amigos", afirma.
Lelé já compôs cerca de 50 sambas ao longo dos seus 40 anos como sambista, chegando a se apresentar como puxador de escola de samba no ano de 1978, pela escola Águia do Samba, do Anil. A agremiação saiu apenas naquele ano, pois no Carnaval seguinte os integrantes não tiveram recursos para fazer o desfile. Foi quando ele e um grupo de ex-membros da agremiação fundaram a Vinagreira do Samba, bloco alternativo que ainda hoje anima os circuitos de rua da folia de Momo na capital.
São João - Foi nesse período que o então sambista começou a se interessar pelo São João. Em 1980, durante uma conversa com um grupo de vizinhos da Vila Palmeira, bairro onde mora desde o início dos anos 1970, quando se casou, Lelé recebeu seu primeiro convite para se apresentar durante o São João. "Um vizinho meu disse que uma tia dele tinha um boi de promessa, mas que ela não iria mais apresentá-lo nos arraiais da cidade, então ele me propôs que a gente fizesse o boi e eu aceitei imediatamente", relata.
Naquele ano, Lelé se apresentou pela primeira vez como cantador pelo Boi da Vila Palmeira. Ele conta que, no início, os demais brincantes ficaram preocupados se o sambista conseguiria ser bom cantador, mas que não teve medo porque não vê muita diferença entre os dois estilos. "Cantar toadas é ainda mais fácil, pois uma puxa a outra e a apresentação sai de forma mais natural, além disso, não fui o primeiro cantador de boi que começou como sambista. Humberto de Maracanã e Adelino do Bumba Meu Boi do Maiobão também são sambistas", revela.
Foram 12 anos à frente do Boi da Vila Palmeira. Depois o cantador se uniu ao time de vozes que comandava o Bumba Meu Boi do Maracanã e em 1993 assumiu o comando do Batalhão do Boi da Pindoba, onde está até hoje. O posto já foi também do seu avó, o cantador João Paulino, um dos mais populares entre a comunidade. Foi para o grupo que ele compôs sua toada preferida, Os meus cantos vêm da mata, em meados dos anos 1990. "Mas a que as pessoas sempre pedem nas nossas apresentações é Fortaleza nova, que eu fiz em 1995", conta.
Foi no Boi da Pindoba que o cantador viveu um dos seus momentos mais tristes. Em 1998, o grupo sofreu com uma série de problemas, o número de brincantes diminuiu e eles praticamente não se apresentaram nos arraiais da cidade. "Eu cheguei a pensar em parar de cantar ou de me mudar para outro bumba meu boi. Por sorte, conseguimos resolver todos os problemas e em 1999 fizemos um São João melhor e em 2000 gravamos o primeiro disco do Boi da Pindoba", diz. Hoje, o boi tem 1.100 brincantes e é um dos quatro principais grupos de bumba meu boi de matraca de São Luís.
Composições - Em seu primeiro São João, Lelé apresentou a toada Viva Vila Palmeira, a primeira das mais de 500 que compôs até agora, 20 delas só para a temporada junina deste ano. "Compor toada é algo espontâneo. Às vezes, ela nasce durante uma apresentação, às vezes, eu estou caminhando pela rua e tenho a ideia. Na maioria das vezes, eu vou escrevendo os trechos que vêm à minha cabeça até que a música fica pronta", explica. Ele diz ainda que a toada que mais demorou a compor foi a que fez em homenagem aos 400 anos de São Luís, que demorou 15 dias para ficar pronta.
Quando compõe suas toadas, o cantador procura se inspirar na vida das pessoas e nos acontecimentos do dia a dia. Entre as toadas que se destacaram está Orgulho de ser pindobeiro, na qual ele canta a vida na comunidade da Pindoba; 500 anos do Brasil conta a história do descobrimento do país. Neste São João, ele decidiu homenagear a capital com a Toada dos 400 anos, carro-chefe do Batalhão da Pindoba este ano. "Eu componho toadas que ajudem as pessoas a refletirem sobre os problemas da vida em sociedade, pois acho que São João não é só diversão", afirma.
A rotina cansativa com ensaios semanais que começam no mês de abril e até seis apresentações por noite durante o período junino já faz o cantador pensar em se aposentar. Ele garante que deixa o comando do batalhão em 2015, passando o posto para o seu filho Edvaldo, que é um dos quatro cantadores do grupo. "Eu amo o São João. Acho uma festa alegre, agradável. Cantar é minha paixão, mas eu já estou cansado. Está na hora dos mais jovens assumirem a festa", justifica.
Casamento realizado às escondidas já dura 43 anos
O cantador de boi Lelé, da Pindoba, é casado com a dona de casa Sebastiana Silva. O casamento é fruto de um namoro que durou apenas um mês e já ultrapassou os 40 anos. Mas o que pouca gente sabe é que os noivos casaram-se às escondidas. O apoio da esposa e de quatro filhos é fundamental para que ele continue a se apresentar a cada nova temporada junina. A dedicação à família é tanta que fora da temporada junina ele desempenha outras atividades para concluir a construção da casa onde mora com a mulher, dois netos e uma filha.
Eliézio e Sebastiana se conheceram aos 20 anos, no Sacavém, bairro onde ele morava com uma tia. Após um mês de namoro, os dois decidiram casar. Como os pais dela moravam em Codó, interior do estado, os dois marcaram a data e se casaram sem que os pais dos dois soubessem. "A gente quis fazer uma surpresa. Quando souberam, meus pais não se incomodaram, mas os dela ficaram meio chateados no começo. Com o tempo, tudo ficou bem", afirma.
Da relação de 43 anos vieram quatro filhos. O cantador é muito ligado à família, tanto que uma filha ainda mora com ele, outras duas moram em ruas próximas e o filho, embora more em um bairro distante, trabalha ao lado do pai no Boi da Pindoba. Lelé cuida ainda de dois dos seus 10 netos. "Família para mim é algo muito importante. Lamento por não ter mais meus pais perto de mim. Eles faleceram há 20 anos, por isso gosto de ter meus filhos por perto", conta.
Atualmente, Sebastiana reclama a presença do marido em casa, afinal já são 30 anos de cantoria. Ele fala em se aposentar, mas não antes de 2015, no entanto, se depender dos filhos, netos e da comunidade da Pindoba, o cantador continua na ativa por muitos e muitos anos. "O São João é minha paixão, mas o que me gratifica mesmo é saber que minha família apoia o que eu faço. Minha esposa reclama, mas entende que eu canto por amor à música, então, tudo bem", comenta.
RAIO-X
Nome completo:
Eliézio Catarino da Silva
Nascimento:
30 de abril de 1949
Naturalidade:
Paço do Lumiar (MA)
Filiação:
Celina Fortunato Silva
Benedito Acassio Ramos
Estado civil:
Casado há 43 anos com Sebastiana Conceição Costa Silva
Filhos:
Edvaldo, Edna, Eliane e Denise
Qualidade:
Humildade
Defeito:
Perfeccionista
Alegria:
A festa de São João
Tristeza:
O falecimento dos pais
Saudade:
Dos pais já falecidos
Planos:
Terminar a construção da sua casa

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