Jornalismo, um mal necessário
Em seu conjunto, imprensa corresponde à respiração mental da sociedade
Por Otávio Frias Filho (*)
O primeiro era estipular uma série de normas destinadas a coibir a incidência de erros e lacunas e amainar o efeito dos vieses. O segundo era dotar o veículo de instrumentos coercitivos de autocorreção, como a manutenção de um(a) ombudsman e a obrigatoriedade de publicar a seção "Erramos".
Foram estratégias frutíferas, mas que logo mostraram seus limites. É mais fácil retificar erros específicos do que tornar as abordagens menos superficiais. E o excesso de regras acabou por se converter em obstáculo —não existe norma que garanta uma boa formação profissional e intelectual. As edições mais recentes do "Manual" são menos draconianas, baseadas antes em orientações do que em comandos categóricos.
O objetivo daquela geração, realizado apenas em parte, era estabelecer que o jornalismo, apesar de suas severas limitações, é uma forma legítima de conhecimento sobre o nível mais imediato da realidade. Para afirmar sua autonomia, precisa cultivar valores, métodos e regras próprios.
O que nos remete à questão do início; sendo um mal, por que necessário? Por dois motivos. Ao disseminar notícias e opiniões, a prática jornalística municia seus leitores de ferramentas para um exercício mais consciente da cidadania. Thomas Jefferson pretendia que o bom jornalismo fosse a escola na qual os eleitores haveriam de aprender, pela cobertura crítica dos governantes, a exercer a democracia.
O outro motivo é que os veículos, desde que comprometidos com critérios de verificação e com o debate dos problemas públicos, servem como arena de ideias e soluções. O livre funcionamento das várias formas de imprensa, mesmo as sectárias e as de má qualidade, corresponde em seu conjunto à respiração mental da sociedade.
No entanto, o jornalismo dito de qualidade sempre foi objeto de uma minoria. A grande maioria das pessoas está de tal maneira consumida por seus dramas e divertimentos pessoais ou domésticos que sobra pouca atenção para o que é público. Desde quando os tabloides eram o principal veículo de massas, passando pela televisão e pela internet, vastas porções de jornalismo recreativo vêm sendo servidas à maioria.
O jornalismo de verdade, que apura, investiga e debate, é sempre elitista. Está voltado não a uma elite econômica (embora exista uma intersecção com ela), mas a uma aristocracia do espírito —aqueles interessados no que está além dos interesses privados. São líderes comunitários, professores, empresários, políticos, sindicalistas, cientistas, artistas. São pessoas voltadas ao coletivo.
A influência desse tipo de jornalismo sempre foi, assim, mediada, e não somente pelas elites sociais que o assimilavam. Desde que se tornou hegemônico, nos anos 1960-70, o jornalismo televisivo se faz pautar pela imprensa. Algo parecido ocorre agora com as redes sociais, que se tornaram câmara de amplificação e controvérsia (espécie de metaimprensa) em torno do que é publicado na mídia profissional.
A imprensa, que vive de cobrir crises, sempre esteve em crise. O paradoxo deste período é que, no mesmo passo em que as bases materiais do jornalismo profissional deslizam, sua capacidade de atingir mais leitores se multiplica na internet, conforme se torna visível a perspectiva de um dia universalizar o ensino superior.
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