A atriz Regina Casé

java redirecionamento

Tecnologia do Blogger.

A atriz Regina Casé

Premiada por papel no cinema, apresentadora do 'Esquenta' diz que no Brasil há preconceito contra os nordestinos, os negros e a televisão

MÔNICA BERGAMO
"Lá na cobertura, na laje ela está/ É quem domina/ Porque tem a sina de ser popular", cantarola Regina Casé, 61. Acomodada em uma sala da produtora do marido, Estevão Ciavatta --que funciona na casa de 1910 em que a atriz criou a filha, Benedita--, ela usa a música de abertura de seu programa dominical, o "Esquenta", para explicar seu trabalho e um pouco de si mesma.

"Entendeu? Pra mim, a base da felicidade é celebrar a diferença. E é por isso que tem esse trabalho todo. Nasci em Copacabana, mas, quando era garota, todo fim de semana eu pedia à minha mãe para ir à casa da Marinete [empregada da família], que era na favela", diz à repórter Marcela Paes.


Coincidência ou não, ela ganhou pela interpretação de uma empregada doméstica o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema de Sundance, em fevereiro. O papel é um dos principais do filme "Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert.
Regina chegou a recusar o convite para fazer o personagem, mas cedeu aos apelos da diretora. Na época das filmagens, a carioca havia acabado de adotar Roque, hoje com dois anos.

"Queria agradecer à Anna não só pelo personagem maravilhoso, mas pelo tanto que ela insistiu. Estava sem férias havia 14 meses e fui pra São Paulo no auge do verão pra ficar trancada num lugar e longe do bebê. Eu tinha vontade de dar nela e de chorar todo dia [risos]."

No longa, que também ganhou um prêmio no Festival de Berlim, a atriz aparece "sem maquiagem, uniforme largão, um pirocó no cabelo e pescoço para dentro".
"Hoje em dia não é qualquer um que aceita isso não, deixar a vaidade totalmente de lado pra um papel. Tem muito essa confusão da celebridade com ator."
Uma das principais preocupações de Regina foi não transformar a personagem Val, que é nordestina, em uma caricatura.
"O preconceito com o nordestino é avassalador. Pensa no Chico Anysio, no Renato Aragão, no Tom Cavalcante. Só viraram comediantes por serem nordestinos. Podiam ser o Paulo Autran, mas, para algumas pessoas, ser do Nordeste e falar de determinada maneira já é uma palhaçada", afirma.
Para ela, a situação começou a mudar um pouco com o sucesso de Lázaro Ramos e Wagner Moura, por exemplo. "É uma revolução bem complexa alguém com sotaque e que se assume nordestino fazendo um galã."
A conversa continua em um passeio pelo Jardim Botânico do Rio. O clima quente e abafado atrapalha a caminhada, mas a apresentadora faz questão de encontrar uma de suas árvores favoritas para a sessão de fotos. "Aqui era o quintal de casa. A Benedita vivia aqui. E eu adoro botânica", diz ela, que também mantém há 15 anos um programa sobre o tema, o "Um Pé de Quê?" (Canal Futura).
"Regina! Tira um foto pra gente pôr no Insta? Somos de Belém! Adoramos seu programa'", diz uma mulher acompanhada da família. A cena se repete mais de dez vezes.
"Vai parecer que eu contratei esse pessoal pra fazer figuração na entrevista. Estou me sentindo na Disney." E segue: "Eu nunca deixei de sair, mas você tá vendo, é uma lenha. Se eu deixar de sair, vou me acabar de chorar em casa".
A pequena amostra de popularidade durante o passeio corresponde à boa audiência do "Esquenta". A atração segue na grade da TV Globo ao longo deste ano. Mesmo assim, para a apresentadora, a televisão ainda é vista com preconceito.
"Se eu faço um filme, sai em tudo quanto é jornal. O 'Esquenta' nunca teria esse espaço. Ele alcança muito mais gente, mas não vai sair na capa de um caderno de cultura de um jornal."
O rapper Mano Brown, dos Racionais MC's, que não pisa na TV Globo, chegou a elogiar o dominical em uma entrevista. "Foi melhor do que mil prêmios. Foi lindo ele falar que se sentia representado ali. E ainda disse que o movimento negro podia não gostar porque, se as pessoas estão ali alegres e cantando, pode parecer que não são conscientes. Ele peitar essa ideia foi um enorme reconhecimento pra mim."
Grande parte do elenco do programa, diz ela, é de pessoas que já frequentavam a sua casa. Os pagodeiros Arlindo Cruz e Péricles, por exemplo, costumavam tocar em festas oferecidas por Regina. O ator Douglas Silva, que fez o Dadinho no filme "Cidade de Deus", também já era amigo de Regina e de sua filha Benedita.
"Falam que no 'Esquenta' só tem preto. Eu nem gosto de falar raça, pra mim é raça humana, mas pessoas que têm a pele escura. Muita gente tem essa impressão porque em geral, em outros programas, é um monte de gente branca e uma cota de dois ou três negros."

Antes de terminar a frase, Regina se lembra de uma história. Ela conta que o apresentador Marcelo Tas chegou a perguntar como ela fazia "pra ter tanto amigo preto".

"Foi na época do 'Brasil Legal' [programa de 1995]. Ele olhou meu mural de fotos e perguntou isso. Eu respondi: 'Arranja um amigo que não seja da tua classe social. Mas tem que ser amigo mesmo. Deitar na sua cama, frequentar a sua casa. Se você arruma um amigo pobre, no fim do ano você tem dez amigos pretos'.
 As pessoas falam que não são racistas, mas ninguém transita entre as classes. É muito raro."

No ano passado, a atração perdeu um de seus integrantes, o dançarino DG, que foi morto na comunidade Pavão-Pavãozinho. Meses após o crime, a mãe do bailarino, Maria de Fátima Silva, chegou a chamar Regina de mentirosa e disse que foi impedida de fazer declarações contra a polícia durante o programa de homenagem a seu filho.

"Isso foi uma coisa tão triste e pesada do ano passado que até hoje é difícil falar. Este ano está acontecendo tanta coisa boa. Prefiro me concentrar nelas", diz Regina, com a voz trêmula.

A participação de Benedita na produção do "Esquenta", a convivência com o filho Roque e a vontade de fazer filmes e peças são algumas das "coisas boas" a que Regina se refere.

"Voltar a ser atriz é uma felicidade. A vida inteira fui atriz, mas hoje, quando falam de mim, as pessoas dizem 'a apresentadora Regina Casé'. E eu ainda acho muito estranho. Este ano acho que isso vai mudar."

0 comentários:

Postar um comentário

visualizações!