MESTRE BIRA por Jesus Santos
Agora que os rituais foram cumpridos, que a negação da morte se esvaiu, e temos de tocar em frente nutridos pelas esperanças, vamos falar um pouco de Ubiratan Teixeira, esse personagem-autor, sobrevivente de uma cidade cenográfica, onde todos os papéis são permitidos na certeza do absoluto silêncio que a envolve, onde nada faz eco, onde tudo existe sem financiamento e sem entusiasmo para servir a um modelo que o tempo denunciará.
Ubiratan, ou “Mestre Bira”, por ser criativo, fugiu à regra. Não repetiu as citações dos outros ou textos já lidos e relidos, nessa órfã tentativa de mostrar conhecimento. Antes, corajoso e idealista que era, não se ausentou da Ilha, encarou a inveja e a insanidade, a mediocridade tantas vezes coroada de tal forma que, por vezes, torna-se representativa.
Conhecedor dos labirintos humanos que povoam nossos quatro cantos, bem humorado de um jeito ácido e criativo, bisbilhotou e concebeu uma obra múltipla de quem não sossega nisso ou naquilo, privilegiando a juventude com seu conhecimento. Ele foi um educador daqueles tempos em que educação com qualidade era meta de governo, porque todos nós sabemos que sem educação, saúde, e segurança nada será construído, e que reprimindo esses fatores de crescimento tudo fica mais controlável nas mãos deste ou daquele.
Bira vivia o dia-a-dia como observador privilegiado, possuidor de uma autocrítica que superava os deslizes gramaticais, tirocínio dos que se escudam na gramática para ordenar a crítica à criação dos outros, já que qualquer outra observação foge ao seu conteúdo. Da observação da fala aos hábitos, costumes e magia, ele convivia com todos porque era parte de tudo. A visão das mulheres, dos bêbados, dos desesperançados era quase mágica, uma realidade fantástica enxaguada no realismo fantástico latino-americano que o salvou do “regionalismo” e do romantismo. A verdade é que a coisa real era pouca para sua criatividade e, por isso, ele navegava das histórias infantis, como o “Buli Buli”, à metodologia de pesquisa do Dicionário de Teatro e aos contos de densidade ficcional absoluta, que o tornam ímpardiante de uma literatura, às vezes, bajuladora, ufanista e insossa.
Como se dava com todos, pois falava e entendia o sentimento das pessoas,conseguiu se comunicar percebendo sentimentos e hábitos que escapam com facilidade à nossa intelectualidade. Polêmico e avesso às cangalhas era o personagem que vendia jornais através das crônicas, que por vezes perturbavam o leitor, levando-o a interromper conversas para discutir suas crônicas, em certo grau, venenosas. Nos contos e novelas era possível trançar o real com o irreal dentro de uma fantasia perversa, como em “Velas ao Crucificado”. Seus personagens de fato criam existência de tal forma que nós conversamos com eles e os acompanhamos pelo texto e pelas ruas, porque eles estão em nós, dentro de nós em nosso dia-a-dia. Nas mulheres não há o convencional, os maus são capazes de atos nobres e os nobres quase sempre são sórdidos. Tudo em Ubiratan é humano, “demasiadamente humano”.
Fizemos o curso superior de jornalismo juntos, viajamos, nos aventuramos, arriscamos e, um dia, nós fizemos texto e ilustração. Era maravilhoso ilustrar! E Bira o fazia, mesmo sabendo que nem o texto, nem as ilustrações sairiam da “ilha”, afinal o que é realizado aqui é abafado e não distribuído. Nós não constamos no mapa do produto cultural do Brasil e, quem quiser entender, por favor, dirija-se à Secretaria de Estado da Cultura e, se conseguir, converse. Ele, talvez pensando em ser reconhecido em um futuro longínquo, produziu até a última hora. Sua cabeça era brilhante e nem no leito do hospital parou de fazer planos.
Aliás, quando eu soube que Bira estava desenganado, preocupei-me,pois agora o Jornal não mais contempla o serviço dos cronistas e, usando um termo de época, cassou os planos de saúde já que esse negócio de “texto” é besteira, não vale nada e essa mesma maldição levou Aluísio de Azevedo a confessar sua ignorância em querer “viver de literatura em uma terra de analfabetos”.
Nota da Redação
O cronista Jesus Santos falta com a verdade quando afirma que nossa empresa “cassou” o seu Plano de Saúde. Jesus Santos tem com a Gráfica Escolar S/A, que edita O Estado, um vínculo de colaborador, e recebe R$ 724,00 mensais para escrever quatro crônicas, que são publicadas aos domingos. Seu vínculo, infelizmente, não lhe dá direito ao benefício, como reza taxativamente norma da ANS: Dentre os beneficiários se encontram os sócios, os administradores da empresa, os funcionários com CTPS assinada, estagiários e trabalhadores temporários; a norma, contudo, não encampa colaboradores cujo trabalho têm natureza autônoma. Caso o plano empresarial admita colaborador na situação acima narrada está sujeito à penalidade delineada na Resolução Normativa 124/2006, art. 20-D.
A empresa estranha que ele já ouviu a mesma explicação inúmeras vezes e insiste na tecla. Não há sentido em tal atitude, a não ser um sentimento de má fé.
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