Ferreira Gullar esta perplexo com a violencia.

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Ferreira Gullar esta perplexo com a violencia.


 

A julgar pelas suas palavras, na entrevista abaixo, o poeta e ensaísta Ferreira Gullar, 83 anos, cujo nome oficial é José Ribamar Ferreira, confirma a ideia de que os poetas sentem as coisas da vida como mais intensidade do que a maioria dos homens. No caso, a sucessão de tragédias que vêm acometendo a cidade de São Luís, no Maranhão, cujo epicentro se encontra na Penitenciária de Pedrinhas. 


Dali partiram as ordens de ataques contra ônibus urbanos seguidos de incêndio, que tiveram ontem o desfecho inacreditável de uma menina morta com 95% do corpo queimado, após uma lenta agonia desde a sexta-feira passada. 
Acresce que Ferreira Gullar é são-luisense e, menino, brincou frequentemente nas proximidades da cadeia numa época menos cruel. Essas circunstâncias, certamente, aprofundaram suas amarguras. No seu belo livro Em Alguma Parte Alguma (Editora José Olympio, 2010) ele publicou o poema Bananas Podres 3,    que tem a seguinte estrofe: "era uma tarde quente na quitanda/e aquele calor acendia o perfume das bananas apodrecendo/ fato a que ninguém dava atenção." 


A degradação das frutas faz uma metáfora perfeita com as circunstâncias que levaram à morte da menina – mistério que somente poetas podem construir ou vaticinar. Bem mais feliz do que ele foi o seu colega e conterrâneo Antônio Gonçalves Dias (1823-1864). É verdade que morreu bem cedo, num naufrágio na costa do seu estado natal, ao retornar de Lisboa. Mas ele pode escrever que sua terra tinha palmeiras onde cantava o sabiá. A seguir, trechos da entrevista concedida por Ferreira Gullar ao Diário do Comércio.


Diário do Comércio – Os poetas tem o poder de interpretar as emoções mais profundas que brotam na alma humana. O que o senhor pode dizer sobre a circunstância e a morte da menina Ana Clara Souza?
Ferreira Gullar – Eu não sei o que dizer. Eu só posso perguntar como alguém consegue atirar gasolina em uma criança e depois acender o fogo. Estou perplexo.


DC – Os especialistas buscam explicações na escalada da violência e no seu enraizamento em problemas/
conflitos sociais. No caso de São Luís, a origem estaria na Penitenciária de Pedrinhas. Todas as ordens de ataque, inclusive a queima de ônibus, partiram de lá.

Gullar – Suponhamos que quisessem protestar, mostrar revolta, indignação... Mas por que queimar pessoas? Na minha infância em São Luís, nós morávamos na Rua da Alegria, em cujo final, numa praça, ficava a penitenciária. Os meninos jogavam bola, as crianças brincavam. Eu não me lembro de haver violências ali. Hoje, evidentemente, nós sabemos das más condições das prisões brasileiras. São lamentáveis. Mas a necessidade de mudança não pode justificar uma violência alucinada. E isso vale para todos os nossos problemas. Destroem tudo. Há uma destruição generalizada, inclusive da vida. Por outro lado, eu fico confuso, pois isso tudo está acontecendo no momento em que o País melhorou economicamente. A verdade é que essa violência exagerada, saindo dos limites, é sinal de que existe algo mais profundo, que requer mais estudos e providências do governo. As providências não são tomadas. No meu entendimento, é preciso encarar os problemas que estão nos afligindo com tanta intensidade nessa área de violência. Por exemplo: o caso da menina Ana Clara. Os criminosos vão receber pena máxima, vão pegar os 30 anos, dos quais vão cumprir seis. A punição tornou-se irrelevante. Se o sujeito comete um crime, tem a índole de criminoso e não se sente punido, ele vai continuar cometendo crimes. No caso de menores: um menor de 16 anos sabe o que está fazendo. Então será encaminhado a uma casa de recolhimento e todo mundo sabe que ali não terá atendimento para eventual recuperação. Todo mundo sabe que a situação das cadeias, o cenário confuso dos menores infratores entre leniência e amparo legal e tudo continua como está. O rigor está se afrouxando cada vez mais. 


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