O CARNAVAL DA MADRE DEUS E A TURMA DO QUINTO

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O CARNAVAL DA MADRE DEUS E A TURMA DO QUINTO



(*) Eugenio Araújo

Recentemente vi Jose Raimundo em seu programa televisivo discutindo o problema da organização do carnaval em São Luís, com destaque para os problemas vividos no bairro da Madre-Deus e a reclamação de muitos moradores. Aproveito para tecer alguns comentários, como brincante e profissional, por ter passado por ali em alguns carnavais.

Desde final da década de 1990, o governo estadual resolveu mudar sua política em relação ao carnaval, em direção a uma festa mais regional, mais com a “cara de São Luís” e mais tradicionalista. O que detonou tal política foi a percepção de que a festa maranhense estava perdendo sua “autenticidade”, quando as escolas de samba eram sua principal atração e lutavam (como lutam até hoje) para realizar um espetáculo à altura do público que as prestigia, ano após ano. O governo decretou então que era preciso “acabar com essas escolinhas que vivem tentando imitar o Rio, sem conseguir, causando vergonha para o carnaval de São Luís”. Assim  se estabeleceu uma violenta política de desmoralização e desestímulo ao carnaval sambista organizado na cidade, ao mesmo tempo em que incentivava a criação de inúmeros blocos e grupos carnavalescos fundados na “tradição maranhense” e concentrava os investimentos no chamado “carnaval de rua”, com a instalação dos circuito Deodoro/Madre-Deus.  Com a saída do carnaval da Praça Deodoro era preciso encontrar um novo local para brincadeira, já que houve grande resistência inicial com o carnaval no Anel Viário, onde passaram a ser realizados os desfiles em 1989. A Praça Deodoro e suas ruas de acesso (Passeio e São pantaleão) nunca mais voltaram a receber grande fluxo de brincantes, ficando os foliões concentrados realmente na Madre-Deus, que passou por algumas reformas superficiais e adequações para poder sediar tal projeto de carnaval. Todas elas mostraram-se insuficientes.

A primeira pergunta é, porque o bairro da Madre-Deus foi escolhido? A resposta mais fácil é de ele é “um celeiro cultural” com a presença de vários grupos culturais importantes. Não nego. Mas afirmo que de todos eles o mais importante é a Turma do Quinto, foi ela quem chamou a atenção da classe média e política para o bairro, foi ela quem o transformou em ponto de encontro de artistas e intelectuais, foi a Turma do Quinto que fez a fama da Madre-Deus para todo Maranhão e quiçá para o Brasil. Portanto, foi devido à presença de uma grande escola de samba que o bairro foi escolhido como palco ideal para as festas carnavalescas – também havia a saudosa Banda da Saudade que movimentava muito a praça do Cemitério. Porém, o Quinto foi esquecido por essa mesma política cultural, que escolheu e reformou o bairro, mas deixou a sede da escola em ruínas durante quase 10 anos.

A escolha da Madre Deus é também estratégica por isso: ela deveria criar um novo núcleo formado pela avenida de desfiles no Anel Viário e a movimentação do bairro – eles são separados por apenas algumas ladeiras, o público pode circular entre um espaço e outro. No entanto não é isso que acontece: o governo que patrocina o carnaval da Madre-Deus continuou a maldizer as escolas de samba e a tentar afastar o público dos desfiles. Instalou-se assim, um clima de quase hostilidade entre os partidários do carnaval de passarela e do carnaval de rua – quando tudo isso acontece na mesma região da cidade. Prova disso é que em alguns anos, a decoração do circuito Madre-Deus não foi estendida à passarela com a desculpa de que “ela era feita só para o carnaval de rua”.

Mas tudo tem duas faces: entre os anos1970/80 e os anos 1990/2000, a população de São Luís dobrou, a violência urbana cresceu, o carnaval mudou. Tentar “reviver” hoje os carnavais de 40 anos atrás é impossível. E o bairro da Madre-Deus é prova contundente disso. Ele simplesmente não tem estrutura física nem logística para receber os milhares de foliões que ali acorrem nos dias de folia. É predominantemente um bairro de moradia com residências populares, garagens, pequenas quitandas, mal abastecido de água e precária instalação sanitária. Muitos moradores já venderam suas casas, outros alugaram e outros estão pensando em fazê-lo – não é possível contar com a sorte quando se tem crianças e idosos em casa e as festas freqüentes perturbam o sono, o descanso e colocam vidas em perigo no caso de emergências – nos dias de carnaval é impossível entrar e sair de carro da Madre-Deus e a mijadeira nos muros e calçadas empesta o ar. A polícia também não dá conta do recado: a grande quantidade de vielas, becos e esconderijos proporcionam um prato cheio para assaltantes e baderneiros em fuga. Some-se a tudo isso, a molhadeira e a maisena, cuja volta foi incentivada pelos órgãos de cultura oficiais, como um “costume típico maranhense”, ignorando que o entrudo vem de Portugal. Dessa forma, o que era um carnaval de bairro virou o carnaval oficial da cidade, com as conseqüências que todos sabemos: desordem, violência, sujeira – nada disso costuma atrair e impressionar turistas.

Além do mais, temos ainda o esquema oneroso de pagamento de brincadeiras por apresentação nos vários palcos armados no circuito, muito próximos uns dos outros, o que é totalmente desnecessário. rguja volta foi incentivada pelos overno, da molhadeira e da maizena  proporcionam uma er as escolas de samba e a tentar afasta Farra com dinheiro público financiando um carnaval que o próprio Secretário de Cultura Bulcão reconheceu como “insatisfatório  e de pouco apelo estético”.

Enquanto isso, o grupo de maior potencial de beleza do bairro – a Turma do Quinto – atravessa grave crise financeira e social.

Quando fui carnavalesco da escola em 2009, pude verificar o afastamento da sua base comunitária e a ausência de qualquer estratégia de captação de recursos pela sua diretoria, isolada e sem apoio dos “grandes nomes da Madre-Deus”, que declaravam “não ter mais nada a ver com o Quinto”. A escola continua lutando contra todas as dificuldades para pôr seu carnaval na rua, sem um barracão digno, com falta de desfilantes e de profissionais interessados em trabalhar. Não posso esquecer que percorri todas as serralherias do bairro, atrás dos serviços de um ferreiro e ouvi de todos a mesma resposta: “No Quinto, não trabalho mais!” – tivemos que contratar um ferreiro de São José de Ribamar.

Já nos dias de carnaval, lembro também da sensação de fracasso dentro do barracão comparada àquela festa de milhares nas ruas da Madre-Deus: no mesmo bairro, realidades muito diferentes. Enquanto não voltar a fortalecer sua principal escola, o carnaval da Madre-Deus não estará completo.

(*) Eugênio Araújo

Prof. Dr. Do Departamento de Artes/UFMA.

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