Eleições: um passo à frente ou atrás
Hoje é dia de...Joaquim Itapary
09/10/2014
Em meio ao tumultuoso final de campanha eleitoral o mais recente livro
de poemas de Ronaldo Costa Fernandes pousa sobre a minha mesa como leve e
silenciosa pluma. Mal abro suas páginas somem todos os ruídos de um
circo de candidatos armado ao pé do edifício onde resido. Os minutos
fluem na velocidade adequada à exata decodificação das metáforas,
expostas no âmbito de uma construção vernácula castiça e rigorosa,
portadora do raro dom do encanto.
São cerca de setenta poemas da mais
elevada fatura estética nos quais o premiado autor maranhense revisita a
alma atormentada do homem das cidades, que, tendo perdido seus
originais liames com a natureza e a sua ancestralidade, adquiriu, por
transfiguração, feições, hábitos e trejeitos de uma nova e atormentada
espécie de ser, cultivador de “intimidades que são prolongações, como o
lápis e a mão” ou “o cego e sua bengala”; um novo ser inatural, submisso
a obrigações e imposições incompatíveis com a arquitetura e a essência
do humano, constrangido a parar e caminhar sem vontade própria, de modo
mecânico, alternada e ininterruptamente, tal como estacionam e
prosseguem os ponteiros de relógios, na rítmica marcação do segundo que
passou e da próxima escala do tempo inumano.
Do
belo livro de Ronaldo Costa Fernandes, intitulado O Difícil Exercício
das Cinzas, recolho para esta crônica o poema “Os dois passos do homem”,
que me parece ter sido composto muito a propósito da conjuntura
política em que vivemos mergulhados. Refiro-me a esse clamor por
mudança, que surte das ruas e dos campos. Clamor, aliás, nitidamente
materializado e configurado em atos de inegável estado de pré-rebelião
civil protagonizados por cidadãos anônimos, antes pacatos e ordeiros,
nas praças e avenidas das principais cidades do país. Clamor, diga-se
mais, recentemente expresso, em inequívoca mensagem das urnas, com o
veredicto da negativa de reeleição à presidente da República, que colheu
apenas 30% de votos do total de eleitores inscritos.
São
versos desse poema: “O homem tem apenas dois passos: /um passo à
frente/ e um passo atrás./ O passo que se dá à frente/ é um passo
“doble”,/ o passo que se dá atrás/ é um passo em falso./ Há passos que
parecem ser à frente/ e levam ao pé do cadafalso.” No Maranhão, os dois
candidatos ao governo que obtiveram votação mais expressiva se
apresentaram aos eleitores como anunciantes e portadores da mudança,
ambos prometendo um passo à frente.
Só que,
segundo indicam os expressivos resultados das eleições recém findas, o
eleitor maranhense, depois de experimentar tantos desencantos e
decepções, ao custo de anos de sofrimentos e amarguras por conta de
escolhas equivocadas, demonstrou haver adquirido incrível e insuspeitada
capacidade crítica e analítica. E, assim dotado dessa percepção recém
conquistada, soube bem distinguir o que para a sociedade representaria
dar um passo à frente ou um passo em falso.
As
campanhas e as eleições de Flávio Dino, hoje, e de José Sarney, em 1965,
embora ocorridas em tempo histórico tão diverso, guardam notáveis
semelhanças entre seus principais aspectos sociológicos, políticos e
ideológicos, bem como no conteúdo das respectivas mensagens de mudança.
Contudo, acautelemo-nos: não nos esqueçamos jamais de quando, com a
eleição de José Sarney, o Maranhão deu um decidido, firme e largo passo à
frente, para, logo em seguida, em 1970, dar um irremediável passo
atrás. Convém ouvirmos o alerta contido nos versos do poeta Ronaldo
Costa Fernandes.
Observar, com a devida prudência,
as lições implícitas nos fatos históricos aqui ocorridos desde novembro
de 1889 talvez nos poupe, a todos nós maranhenses, de mais um longo e
doloroso percurso em busca do tempo perdido.
jitapary@uol.com.br
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