O Maranhao na guilhotina - por Eugenio Araujo

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O Maranhao na guilhotina - por Eugenio Araujo


A mensagem enviada pelos presidiários de Pedrinhas é clara: o Maranhão perdeu a cabeça

Prof. Dr. Eugênio Araújo/UFMA
Finalmente o Maranhão conseguiu o que queria: virou notícia internacional. Não da forma que se imaginava, por causa do nosso Patrimônio Arquitetônico, da azulejaria importada e nem mesmo devido ao nosso folclore turístico. Viramos notícia devido às cabeças cortadas expostas nas celas e pátios do presídio de Pedrinhas depois de várias revoltas que seguem um modelo ao qual já nos acostumamos. Nele, o gran finale é sempre uma ou várias decapitações de detentos. Num evento recente, três cabeças rolaram de uma só vez, comprovadas pela imagem chocante que levou o Maranhão para o mundo. Os governantes se apressam em dizer que vivemos um período de exceção, que o Maranhão não é essa violência toda, que tantos milhões foram investidos na segurança, mas chama a Força Nacional e põe a PM dentro do presídio, o que certamente não configura normalidade. Já se fala até em Intervenção Federal.

São tantos fatos, alguns repetidos, outros novos, a conjuntura é tão complexa que fica difícil esboçar qualquer análise, embora seja um esforço ao qual não devemos nos furtar sob pena de corroborar a grave mensagem dos presos: a incapacidade de pensar. Por isso, vou me ater aqui apenas à simbologia implícita no ato de cortar cabeças, já que além de fato político-social transformou-se ao mesmo tempo em fato estético. Estética do horror, mas estética. Foram as fotografias dos decapitados que levaram o Maranhão para o mundo, quem sabe fotos produzidas e postadas nas redes sociais pelos próprios detentos carrascos, visto que celulares dentro dos presídios são normais. Quando isso acontece no Oriente Médio chama-se terrorismo, mas no Brasil leva outros nomes, comprovando nossa capacidade criativa de rebatizar fenômenos já conhecidos. De qualquer forma, segue a lógica do terrorismo, de usar a violência como forma de expressão ideológica. As atitudes humanas são significativas, querem dizer alguma coisa. Às vezes têm múltiplos significados, alguns mais óbvios e outros mais profundos e inusitados. Gostaria de convidar o leitor para especular sobre os significados das nossas cabeças decepadas.

Primeiramente, o significado da violência bruta é o que mais salta aos olhos. Mas ele é só o começo para uma sequência de outros bem mais profundos. Por isso vou ultrapassá-lo logo. A violência pura não é o que está em jogo em Pedrinhas. Nossos presidiários estão emitindo mensagens, estão querendo estabelecer comunicação com o mundo aqui fora, querem ser ouvidos e têm algo a dizer. Embora não se possa concordar com ela, a estratégia surtiu efeito: cortando cabeças os detentos maranhenses conseguiram atenção nacional e internacional. O Maranhão virou notícia, estão falando de nós no mundo inteiro, dos nossos problemas, dos nossos governantes, do nosso dinheiro mal aplicado, da nossa pobreza. Pelo menos saímos do isolamento. A mensagem foi recebida, só falta decodificá-la melhor.

O que significa cortar cabeças? Podemos apelar para o código penal e para história. No linguajar criminal, para o assassinato seguido de amputações e desmembramentos usa-se o termo “requintes de crueldade”, considerando que este arremate é desnecessário. Se o sujeito já está morto, para que picar-lhe o corpo? Geralmente isso é feito com objetivos práticos, como facilitar o transporte e ocultação do cadáver. Mas em Pedrinhas não era esse o caso, ninguém ali queria levar ou esconder o corpo do degolado, pelo contrário, queriam exibi-lo assim, sem cabeça, para chamar atenção. O termo “requintes” indica que estamos lidando com gente que tem formas complexas de raciocínio, o esquartejamento é uma linguagem simbólica, um dos níveis mais altos de tortura que sempre remete a outras situações. A produção de fotos e sua disseminação nas redes sociais confirmam isso: aquelas mortes foram a nós dedicadas. É mais adequado portanto, falar em sacrifício, termo que define a morte utilitária, com um objetivo definido. É claramente um ato comunicacional, que exige um interlocutor, um receptor que vai recebê-lo e decifrá-lo. Esse alguém somos nós e todo mundo. Mas o que ele pode significar?

Apelando para história, impossível não lembrar de Tiradentes, nosso esquartejado mais próximo, herói para os brasileiros, vilão para os portugueses. Ele sofreu tal pena como exemplo para todos os outros que ousassem se levantar contra a Coroa. Era uma mensagem enviada pelos governantes ao povo: cuidado!, lutar contra o rei pode resultar nisso! Outro exemplo famoso, desta vez europeu, é a decapitação pela guilhotina da família real francesa na época da revolução. Ali foi o contrário, o povo assume o poder e corta a cabeça dos reis. Eis a mensagem: é preciso cortar o mal pela raiz, eliminar toda e qualquer possibilidade da realeza recuperar o poder. No ser humano a raiz é a cabeça, o cérebro, onde se processam as idéias, as sensações e os sentimentos. Para o Homem, cortar a cabeça é equivalente a suprimir a capacidade de pensar, de raciocinar, de processar os sentimentos que lhe conferem a própria humanidade. É nessa situação que se encontra o Maranhão.

Não é a primeira vez que isso acontece no Brasil, relativo a tragédias de cárcere. Nosso sistema penal é ineficiente, caro e desumano. Mas o Maranhão emergiu neste cenário rapidamente: em pouco mais de 5 anos, o estado conseguiu se aproximar de outros considerados sempre mais violentos, como Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. O que acontece entre nós, já que a sensação geral é que a vida melhora, que o país cresce, que a miséria diminui, segundo o PT e a Bolsa Família? Porque São Luís e o Maranhão como um todo parecem nadar contra essa corrente virtuosa?
Já que gostamos de lembrar nossa ligação com a França, fico com o significado francês das cabeças cortadas, e me parece que a mensagem dos presos é sobretudo para os governantes. O Maranhão não vai bem, a vida nas cadeias é um terror, o convívio nas cidades tornar-se pior a cada dia, e isso está afetando nossa capacidade de pensar. O Maranhão é insuficiente em quase todos os índices do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), uma medida internacional da ONU para aferir qualidade de vida. Somos um dos últimos estados do Brasil e um dos locais mais pobres do mundo. Mas não é esse Maranhão que aparece nas propagandas oficiais do governo, onde vemos um estado de sonho, forjado pela oligarquia Sarney, com estradas, hospitais e segurança, habitado por um povo feliz. Em qual deles devemos crer? No Maranhão Maravilha do Grupo Sarney ou no Maranhão Sem Cabeça dos presidiários? A escolha é difícil, mas apesar de estarrecedor, o segundo me parece mais real. Se não é bonito, pelo menos nos ajuda a acordar da lavagem cerebral imposta por governantes que teimam em dizer que o “Maranhão é um bom lugar de se viver”. Bom pra quem? Pra quem estar no poder há mais de 50 anos. Ruim para a maioria da população, que vive à margem das riquezas que nosso estado produz. E certamente horripilante para os apenados de Pedrinhas.

Entre os índices do IDH maranhenses, destacam-se negativamente os níveis de educação da população: somos o estado com mais analfabetos e semi-analfabetos, onde poucos conseguem concluir o ensino médio, onde só alguns chegam à faculdade, e poucos conseguem sair dela com um diploma. Mais de 50% dos alunos universitários maranhenses abandonam o curso pela metade. Isso significa não apenas prejuízo econômico, mas principalmente prejuízo intelectual. Somos um povo que estuda pouco e raciocina mal; nossos governantes são mal preparados para os cargos que ocupam, não tem formação nem informação para governar, não trabalham pelo bem comum, só tramam planos para enriquecer e manter seus cargos. Nossa população pouco letrada tem pouco poder para reverter esse quadro, e nossas elites (econômica, política, cultural) compactuam com ele. Elas só querem uma fatia do bolo que o Grupo Sarney corta e divide como quer. Mas a metáfora do bolo não combina muito com a situação: o Maranhão não é doce e o que motivou este artigo não foi uma festa. Talvez seja melhor falar em cordeiro ou bode. O Maranhão é um bode manso sacrificado, esquartejado e mal dividido. Nossos presidiários estão sendo sacrificados por nós, filisteus que não conseguem compreender tais atos e muito menos reagir a eles. Somos um estado acéfalo, perdemos a cabeça e agora o mundo inteiro sabe disso. E porque só os presidiários tem coragem de dizê-lo, através da decapitação dos inimigos de cela? Talvez porque não ganharam nenhum osso e não têm nenhuma cabeça mais apropriada para cortar

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