O Axé ficou nu

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O Axé ficou nu

Nos 30 anos do gênero musical que lançou Daniela Mercury como o 'furacão da Bahia', cantora estreia show do ritmo só com voz e violão
SILAS MARTÍDE SÃO PAULO
"Não diga que não me quer, não diga que não quer mais", berrava Daniela Mercury com seu vozeirão em "Canto da Cidade", música que lançou a artista ao posto de rainha do axé.

Só que mais de duas décadas depois e no aniversário de 30 anos do gênero musical que fez de sua Bahia o epicentro da música brasileira nos anos 1990, Daniela parece estar mais para os versos seguintes da canção. "Eu sou o silêncio da noite, o sol da manhã."


Tal qual a calma e o astro ainda tímido no horizonte, ela se prepara agora para despir o axé. O ritmo nascido da barulhenta mistura de frevo, reggae, maracatu, forró e merengue vai ganhar uma versão banquinho, voz e violão no próximo show de Daniela, que estreia no teatro J. Safra, em São Paulo, no dia 31 de julho.

"É um novo olhar sobre a axé music", diz Daniela. "Já fiz axé com orquestra, com música eletrônica, e agora é o axé despido. Dá trabalho sair daquela massa de percussão e tocar só violão, mas quis mostrar a letra das canções sem perder o ritmo, que é mesmo a minha essência. É desafiador e fascinante."

Daniela, de fato, já deu várias roupagens ao estilo que a consagrou, mas sua voz firme permanece. Nem desbotou sua fama camaleônica, de fazer do Carnaval de Salvador uma pista de dança onde tenta desfilar sempre uma tendência.

Seu novo disco, que deve sair em outubro, vai mais na linha carnavalesca, com "orquestrações grandiosas", em tempo de celebrar o legado do axé. O movimento que começou com "Fricote", de Luiz Caldas, em 1985, aquela da "nega do cabelo duro que não gosta de pentear", é hoje um terreno disputado por Daniela e cantoras mais jovens como Ivete Sangalo e Claudia Leitte.

Mesmo diante da concorrência rebolativa das novas divas do axé, Daniela não vê sua majestade ameaçada. "Recebi esse título lá atrás. O axé veio comigo e voltou a pôr o samba no pé dos brasileiros", afirma. "Mas o reinado pode ser de Sarajane, pode ser meu, de Ivete ou de Claudia. Rainha do axé é qualquer uma que toque com o amor que temos."
Desde que deixou a sombra de Gilberto Gil, de quem foi backing vocal no início da carreira e diz ser uma herdeira artística, Daniela cantou muito o amor. Em "Swing da Cor", pedia que não a abandonassem. "Rapunzel", aquela das "tranças de mel", lembrava o "amor de Julieta e Romeu, igualzinho ao meu e o seu".

AMOR INTENSO
Seu "amor intenso" pela jornalista Malu Verçosa, aliás, abriu um novo capítulo na carreira. Daniela reconhece que viveu certa reclusão, ou "fase de transição", até voltar aos holofotes com sua alardeada saída do armário há dois anos.
"Não sabia que isso ia repercutir tanto nem causar impacto no cenário político", conta. "Só fui para a mídia porque achamos válido esclarecer, conversar. Não foi por causa da homossexualidade, para servir à causa. Isso tudo foi por causa dela. Eu me apaixonei e queria celebrar isso."

Intimidades e celebrações à parte, Daniela levou esse amor a um evento na Câmara dos Deputados em maio, onde beijou a mulher num ato de militância talhado para combater a homofobia, ou o "discurso de ódio" no Congresso.
"Esses conservadores estão fazendo barulho porque são minoria. Seu discurso de ódio, inaceitável, inadequado e desrespeitoso, é só um jeito de fazer propaganda, criar uma polêmica. Não tem ressonância entre a população brasileira", diz Daniela. "Isso é fruto da ignorância e de radicalismos."

Ou uma briga por atenção. "Às vezes a gente acha que está lutando a favor da gente, mas estamos dando luz a eles, que não têm luz própria", compara. "Nós artistas é que temos luz própria e viramos holofotes para eles. Esse é um mecanismo pautado por absurdos e agressões."

Enquanto bate de frente com a política, Daniela se sente um "ícone da luta pelos direitos humanos" no palco, dizendo agora receber cantadas também das mulheres. "Se tem mais gays nos shows, isso é natural, é por eu ser quem eu sou", diz a cantora. "Fico muito orgulhosa disso."

Daniela também tem orgulho de sua militância contra o racismo. Num show recente em São Paulo, disse que o "povo que não aceita a beleza de ser negro não prospera".

PRETA DE PELE BRANCA
Esse é um discurso que vem de longe. No início dos anos 1990, num dos primeiros shows que fez com o Olodum, brigou com a socialite dona da festa num "hotel chique" de Salvador porque os músicos do grupo tinham de esperar na cozinha enquanto a apresentação não começava.

"Disse para saírem da cozinha e entrarem pela porta da frente", lembra. "Foi o que fez aqueles músicos serem olhados de outro jeito. Metade desse país é negro e a gente ainda se dá o luxo de separar pela cor da pele. Mais do que qualquer artista, eu cantei afirmando a beleza e a riqueza da música afrobrasileira. Sou uma preta de pele branca."

Ou um extraterrestre. Daniela compara o estranhamento que o axé causou em seus primórdios com o pouso de uma nave espacial na arena da música brasileira.
"Nós músicos somos todos ETs, somos os que vão transgredir", diz Daniela. "A grande importância do axé foi fazer uma síntese rítmica. É isso o que importa. O resto é só graça, são só olhares."

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