Prof.
Pós-doc. Eugenio Araújo. Dep de Artes/UFMA.
O filósofo americano
Marshall Berman escreveu um dos livros mais importantes do séc. XX, intitulado
“Tudo que é sólido desmancha no ar”,
uma espécie de louvação à modernidade. Segundo ele, a principal caraterística
do período moderno é a volatilidade, a desdogmatização, o desprendimento, as mudanças
rápidas de vários aspectos da vida humana. Comparado a outros períodos
históricos, a modernidade é mais dinâmica, nervosa e até volúvel: ninguém se
agarra muito a nada, pois a Moda
(essa deusa moderna) anuncia a cada dia uma novidade e exige ser, senão
seguida, ao menos conhecida e considerada. Isso vem em contraponto à ideia de Tradição Imutável que dominava o mundo,
com seu ritmo lento, desde a antiguidade. No entanto, Moda eTradição não são inconciliáveis, mas apenas dois extremos de
uma linha, que pode manipulada de acordo com a conjuntura. A lógica rasteira de
que os conservadores sempre apelarão para a Tradição, enquanto os inovadores seguirão a Moda, muitas vezes não se observa na história, sobretudo na
economia, quando os grupos dominantes (mais ricos e por definição
conservadores) sempre estão em busca por inovações
para otimizar lucros; por outro lado, as classes populares frequentemente recorrem
a ideia de tradição para legitimarem
seus costumes.Moda e Tradição são
duas faces da mesma moeda, que pode ser virada a cada jogada.
No Brasil parece que assistimos, no
mundo político, a mais um caso de virada rápida de face desta moeda, através da
desintegração do PT e do governo Dilma Roulssef, já que estão indissoluvelmente
imbricados. O segundo mandato de Dilma não começou, ainda vivemos a prorrogação
de 12 anos de governo do PT (8 anos de Lula e 4 de Dilma), repletos de
equívocos, omissões, lacunas, erros, mentiras, corrupção e de uma política
assistencialista que já vem cobrando seu preço há algum tempo. Desde 2013 a
realidade vinha apresentando contas caras que não fora pagas nem negociadas
pelo PT. A dívida subiu, o partido e seus mandatários tornaram-se
inadimplentes, hoje são os maiores devedores do país. Devem a toda população
brasileira, que se sente traída e ludibriada pelos seus mandos e desmandos. O
PT era o nosso mais “sólido partido de esquerda”, tanto que foi escolhido não
só pelas classes populares, mas também pelas classes médias e intelectuais
esclarecidos (não cooptados pela direita), para ser o partido que consolidaria a
democracia brasileira, depois de 20 anos de ditadura e de um período de
transição ainda dominado pela centro-direita. Vejamos como essa “solidez” foi
se desmanchando.
O PT já vem se esfacelando desde o
primeiro governo Lula, com escândalo do mensalão, quando ele precisou, num ato
de desespero, se aliar a notórios desafetos, como José Sarney, para evitar o
que seria o segundo impeachment da
história política do Brasil – havia condições claras para isso, pois compra de
votos no congresso é crime! Mas Lula foi poupado até pelas direitas, receosas
de um processo desestabilizador mais amplo (o fantasma da ditadura ainda
arrastava correntes, Collor de Mello fora recentemente afastado), e a direita
fez um recuo estratégico, como se saneamento moral resultasse obrigatoriamente em
crise institucional.Era como se dissessem: “água demais mata planta”, sobretudo
uma plantinha ainda em germinação. Nessa época o PT era “moda” e ninguém queria
ir contra ela.Pois bem, a planta está aí, cresceu e virou uma árvore frondosa,
fortemente enraizada do Planalto Central, só que de uma maneira que ninguém
supunha: não deu bons frutos, só espinhos e pomos amargos que estão envenenando
a nossa democracia.
Sarney cobrou caro pelo socorro, ele que foi um dos nomes
mais odiados pelos petistas,só ajudou a salvar o partido exigindo sua parte
neste latifúndio. O PT começou a ser loteado, vendido, alugado. Então, desde o
primeiro governo Lula, PT não é mais do PT e veio se esfacelando
progressivamente. Seus princípios sociais-democratas tornaram-se populistas;
suas rigorosas propostas e programas de governos viraram apenas burocracia eleitoral;
seus governantespersonalistas viraram semi-ditadores; seus eleitores viraram
analfabetos funcionais com perfil “classe média”, com casa, eletrodomésticos,
carro, moto e “bônus mensal”, tudo financiado pelo governo e pelo contribuinte
pagador de impostos. Tirando os programas de distribuição de renda, e a
necessidade de comprar votos no congresso, o PT de hoje lembra muito a ARENA e
o PDS dos tempos da ditadura. O PT não convive bem com a divergência. Quando
isso acontece, ou os dissidentes deixam o partido, como fizeram Chico Alencar,
Cristovam Buarque, Marina Silva, Plínio de Arruda Sampaio, Luíza Erundina e
Fernando Gabeira, ou são expulsos, como a senadora Heloísa Helena.É um partido rígido, centralizador,
super-hierarquizado, e agora falso, enganador, espoliador, que só pensa em
manter-se no poder, capaz de qualquer coisa para isso. Assim, trilhando o caminho tradicional
dos partidos conservadores, o PT saiu de moda.
Lula foi uma “onda retrô”: com sua
origem popular, seu jeito engraçado de falar, seu gosto pelo futebole pela
cachaça, deliciava-se manipulandoos tentáculos da governança, ainda conseguia
disfarçar a metamorfose. Mas o “cordeiro PT” já estava virando o “lobo PT”,
embora ainda usando a pele de lã macia. A partir de 2011, com o governo Dilma,
romperam-se as últimas ligações entre o partido e seus eleitores, seus
parceiros políticos e a realidade. O “estilo Dilma” determinou um afastamento
gradual e contínuo das pessoas, da classe política, do tempo presente. Dilma
trancafiou-se no palácio, mistificou a agenda, burocratizou o protocolo. O
“lobo PT” mostrou-se então em toda sua voracidade. Devorou tudo que encontrou
pela frente e agora devora a si mesmo, num impressionante caso de autofagia e
autodestruição politica. O PT mostrou-se
emocionalmente instável, desequilibrado, bipolar, e finalmente depressivo. Nunca
nesse país (para usar uma expressão cara à Lula) um partido político passou da euforia
da vitória a mais profunda depressão, como no caso recente de Dilma Rousself. É
certo, como já vimos, que as causas de tudo isso são históricas e veem se
acumulando, sem tratamento eficiente. Os sintomas da doença já foram apontados
há tempos, mas ignorados pelo PT. O câncer alastrou-se. A metástesedevastadora
extrapolou para toda sociedade, atravessou órgãos públicos, secretarias,
ministérios, empresas públicas, privadas e mistas, tudo foi temperado, digerido
e expelido pelo lupinismo petista. Assim, quando não resta mais nada para
sugar, o PT entra em fase de auto-destruição. O partido definha e desintegra-se
a olhos vistos, afastando aliados históricos, angariando novas antipatias e
oposições,colocando-se na mesma posição de 2005, quando precisava comprar votos
no congresso para aprovar suas medidas. Mas há uma mudança clara: o preço
subiu! Comparado com os milhões de dólares que hoje governo distribui em troca
de votos (da população, do congresso), os poucos mil reais que custaram os
votos do mensalão parecem trocados.
Marshall Berman fez uma defesa da
modernidade, dizia ele que a pós-modernidade ainda não existe, e que ainda
vivemos sob as égides do modernismo. Mas no mundo pós-moderno, com toda
sofisticação das redes de comunicação, a velocidade é ainda maior, é
vertiginosa. A informação circula mais e mais rapidamente, o cidadão comum
produz notícia e forma opinião. O poder dos governantes de eternizarem mentiras
é cada vez menor: as crenças de ontem são as dúvidas de hoje; as fidelidades
históricas viram traições. No caso do PT, a esperança virou decepção e frustração
em menos de 10 anos. É o fim lamentável do filho pródigo.
Talvez a maior falha do PT e seus
governantes tenha sido a arrogância, esse pecado capital que sempre assola os
governantes. O PT inebriou-se de poder e riqueza, esqueceu suas origens, negou
sua história ainda mais rápido que a indignação da população. Diz a lenda que o
ditador romano Júlio Cesar andava sempre ao seu lado com um escravo que tinha a
simples função de beliscá-lo a cada momento, sobretudo quando ele era
aplaudido, para lembrá-lo da transitoriedade da vida e das possíveis falsidades
dos momentos de glória – o beliscão trazia César de volta à realidade objetiva.
Talvez tenha sido isso que faltou ao PT, um simples beliscão.
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