Democracia e purificação: Com o escândalo da Petrobrás o Brasil tem mais uma oportunidade de aperfeiçoamento ético, moral e espiritual.
Prof. Dr. Eugenio Araújo. Dep. De Artes/UFMA.
O Brasil vive desde a década de 1980,
com a reabertura pós-ditadura, um processo chamado pelos cientistas políticos
de “democracia em aperfeiçoamento”, cujos principais marcos foram o impeachment de Collor de Melo em 1992, a
condenação dos mensaleiros em 2013 e hoje o escândalo da Petrobras. Os dois
primeiros episódios foram vistos pelos observadores internacionais como “provas
de fogo” pelas quais o Brasil passou quase garbosamente, mesmo com todos os
percalços particulares, seguindo as regras jurídicas tradicionais, concluindo
os processos de investigação e julgamento, culminando, com a penalização e
afastamento dos poderosos, o que demonstra amadurecimento democrático, onde a
“lei abrange a atinge a todos” e não apenas o cidadão comum.
Hoje vivemos mais uma dessas provas
de fogo, com o escândalo da Petrobrás, antes uma das maiores empresas do mundo
e agora quase à beira da falência, sugada que foi pelo maior esquema de
corrupção já visto no país. Comparado com os dois primeiros, o caso Petrobrás
destaca-se pelos valores estratosféricos, longe do entendimento do cidadão comum
assalariado que paga impostos e luta mensalmente para pagar suas contas: as
cifras são todas dos bilhões de dólares, colocando o episódio como o mais
escandaloso caso de roubo do dinheiro público já atestado no Brasil pós-ditadura
e talvez um dos maiores do mundo. Aí vêm aqueles que sempre defendem os
governantes dizendo que “isso sempre
aconteceu, qualquer um que esteja no governo vai roubar, só que ninguém sabia
que o PT ainda pode ser grandemente considerado por levar a cabo as
investigações”, etc.
Tudo isso pode até ser verdade, mas só demonstra que
ainda temos um longo caminho a percorrer, e soa como desculpa esfarrapada para
os pecados hoje verificados, sob a batuta de um partido dos trabalhadores,
historicamente ligado às lutas populares, que chegou ao poder alardeando
grandes mudanças e honestidade. Considerando sua história, sob o seu governo, o
PT jamais deveria ter permitido ou deixado acontecer tais barbaridades. A
desculpa de “não saber”, já recorrida no caso do mensalão, é talvez o pecado
maior: um governante tem a obrigação de saber o que acontece em todos os níveis
de sua administração; aliás, isso é “governar”, ter domínio sob os feitos e
desfeitos de todos os escalões submetidos a uma estrutura governamental e
administrativa.
De toda forma, crendo nisso, o pecado do governo é ainda mais grave:
falta de conhecimento é falta de preparo para governar. Os partidos de direita
sempre foram muitos cuidadosos com o sistema de informação dos seus governos.
Porque um partido de esquerda não deveria ser? Logo ela, a esquerda brasileira
que lutou durante anos contra este sistema de informação super-eficiente da
ditadura, criando focos de resistência e resistindo bravamente à entrega total
do poder aos militares. Portanto, a respeito de sistema de informações, a
esquerda brasileira sempre teve grande conhecimento de causa, daí a sonoridade
estapafúrdia desse eterno “não saber” das coisas que acontecem sob seu próprio
governo.
A democracia ideal não existe, talvez
nunca existirá, será sempre uma bela ideia. A igualdade entre os homens é algo
abstrato e difícil. No campo das praticidades estão as classes sociais, as
elites, as classes médias, os populares, as inexoráveis relações econômicas, os
poderes políticos. É com isso que lidamos diariamente. Sim, podemos sempre ter
em mente a “democracia ideal”, e neste sentido estamos sempre em
aperfeiçoamento, um processo que nunca terá fim, pois o destino do homem é o
infinito. Por isso o Brasil passa por mais um momento chave rumo ao
aperfeiçoamento da sua democracia: um momento de purificação. Sim, o Mal
existe, não só nos filmes e ficção, não só na religião, não só nos contos de
fada. O Mal se encarna em falhas de caráter do tipo que vemos agora no
escândalo da Petrobrás, quando nossos governantes embolsam bilhões enquanto a
população padece sem educação, segurança e saúde, as três principais funções do
estado. Nossos governantes roubam sem sentimento de culpa, é a característica
principal dos psicopatas, sociopatas, serial-killers, que encarnam o poder maléfico
em todo seu horrendo poderio. O Mal existe sim! É preciso sim, extirpá-lo. Para
isso é preciso ritos.
O Mal é uma doença. Em qualquer
sociedade, quando identificado, requer uma série de procedimentos e ritos para
que seja neutralizado e finalmente anulado. Ele causa grande desequilíbrio
social e psíquico, deixando a sociedade em estado de suspensão, quando ela
deixa de seguir seu caminho rumo à Virtude, e pára, assolada pelas forças malignas.
Para que prossigamos, o Mal precisa ser aniquilado. Nas sociedades tradicionais
(antes ditas primitivas), esses rituais incluem a separação daqueles que são
identificados como portadores do Mal, uma série de prognósticos e profilaxia
muito variáveis, depois das quais o sujeito pode ser considerado “livre do Mal”
e talvez possa retornar ao convívio social. Algumas vezes isso nem é possível,
e o portador deve ser eliminado. Daí a permanência da “pena de morte” em muitas
culturas.
No caso das modernas democracias, o
processo de purificação passa obrigatoriamente pelo sistema jurídico, que
representa hoje o papel do chamã, do pagé, do sacerdote purificador. Certamente
que para exercer tal papel, nossos advogados, juízes, desembargadores, etc.,
não poderiam participar ativamente do sistema corrompido pelo Mal. Eis aqui a
grande dúvida: isso será possível? O Mal tem tentáculos múltiplos, se
multiplica geometricamente, seduz, alicia, corrompe, compra, determina. Não
acredito na “índole de bonança” do ser humano; para mim, assim como para a
maioria dos sociólogos e filósofos, o ser humano é originalmente um animal
predador, que só renuncia a essa força poderosa se passa por um longo e complexo
processo de educação – educação em todos os sentidos: escolar, moral,
espiritual, estética... Se a educação é falha, o Homem descamba para o Mal. É o
que se vê no Brasil, sobretudo nos âmbitos governamentais, onde cidadãos pouco
e mal educados conseguem ser eleitos, governar e manipular a riqueza do país.
Assim, no Brasil, o Mal tornou-seo governante rico e poderoso.
Vivemos mais uma prova de fogo, de
aperfeiçoamento democrático, onde mesmo sem querer, funciona o velho
maniqueísmo da “luta do Bem contra o Mal”. Já sabemos onde o Mal graceja. E o Bem
está onde? Está conosco, o povo brasileiro, trabalhadores, remediados e empresários
que trabalham diária e honestamente para ganhar o pão de cada dia, nos
esforçamos para pagar nossas contas e impostos, formamos famílias, criamos e
educamos nossos filhos com muita dificuldade. O Bem somos nós, a maioria do
povo brasileiro, que não é governo e nem quer ser, que
não sonha com cargos comissionados, que não puxa saco de políticos, que apenas
tenta levar sua vida da melhor forma possível. O Bem somos nós que exigimos
purificação. E devemos lutar com todas as nossas forças contra o argumento de
que “se você estivesse lá, faria a mesma
coisa”.
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