Lembrança de Aluísio Azevedo

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Lembrança de Aluísio Azevedo

Antonio Carlos Lima - Jornalista24/08/2014

No ano do 132o aniversário da publicação, em São Luís, do romance O mulato, marco do Naturalismo no Brasil, seu autor, o escritor Aluísio Azevedo, recebe de seus conterrâneos uma homenagem e uma desfeita.
A primeira reedição maranhense do livro, promovida e lançada há uma semana pela Academia Maranhense de Letras, representa, na verdade, a segunda homenagem póstuma do povo maranhense ao seu romancista mais importante e um dos autores mais populares do Brasil.

Por estranho que pareça, desde o ruidoso lançamento de O mulato, em 1881, fato que despertou a ira da sociedade escravocrata e conservadora de São Luís, somente uma vez Aluísio Azevedo recebeu de sua província demonstração explícita de apreço.


Foi quando, seis anos após o seu falecimento, a 21 de janeiro de 1913, em Buenos Aires, onde servia como diplomata à legação brasileira, o governo maranhense, em atenção à campanha liderada pelo escritor Coelho Neto, patrocinou o traslado dos seus restos mortais para o Cemitério do Gavião.

A boa acolhida do livro na capital da República, que incluiu a saudação entusiástica de Urbano Duarte - “Romancista ao Norte!” -, não impediu que, por anos seguidos, a elite são-luisense continuasse a remoer as mágoas daqueles tempos de confronto, ao ponto do escritor jamais sentir-se motivado a retornar à sua terra, que deixou, definitivamente, meses depois da publicação do romance.
A oportuna reedição da obra, organizada com rigor técnico e sensibilidade pelo escritor Jomar Moraes, poderia, desse modo, simbolizar a reconciliação da cidade com o seu grande ficcionista, que tanto depreciou.
O símbolo, porém, perde o sentido de tributo coletivo, quando, ao tempo em que celebra a reedição histórica do livro, a sociedade maranhense consuma a destruição de parte da memória do escritor.


Pois que se trata de inominável agressão à memória de Aluísio Azevedo, à história do Maranhão e do Brasil a semidestruição, sob a indiferença quase generalizada da população, do casarão de azulejos da Rua do Sol onde nasceu e viveu o escritor e em cujo mirante ele escreveu justamente O mulato.


Sem a mínima reação das autoridades e da sociedade, à exceção da Academia Maranhense de Letras, que denunciou o crime de lesa-cultura, perpetrou-se a progressiva destruição da estrutura interna do imóvel, para transformá-lo, como planejava o seu proprietário, em estacionamento de automóveis.


Na densa biografia de Aluísio Azevedo que publicou em 1988 (Aluísio Azevedo, vida e obra, Instituto Nacional do Livro, obra reeditada no ano passado pela Garamond), o escritor e diplomata francês Jean-Yves Mérian revive, com riqueza de detalhes, a polêmica causada em São Luís pela publicação de O mulato.


O evento, observa, foi antecedido de impressionante campanha publicitária, que incluiu cartazes espalhados pela cidade, uma ópera escrita por Antonio Rayol denominada O mulato, anúncios e teasers nos jornais, como nas modernas campanhas de comunicação. Personagens do livro eram identificados nesses anúncios com figuras reais da cidade.


Mais do que mostrar, afirma Mérian, Aluísio “denuncia e fustiga a vida medíocre, o atraso cultural, a falsa religiosidade, os preconceitos raciais do Maranhão”. Insiste ainda mais sobre os costumes atrasados, a grosseria das brincadeiras e distrações, a estupidez das superstições.


Na edição original de 1881, há várias passagens insultuosas ao Maranhão, que o autor suprime na de 1889, base da atual reedição.


Ferida em seus brios, a sociedade reagiu. Ataques ao livro e ao autor foram desferidos com penas mergulhadas em ácido sulfúrico, os quais provocaram em Aluísio ressentimentos que conservou por toda a vida.


Num texto de 24 de fevereiro de 1883, dois anos depois do lançamento do livro, Aluísio rompe de uma vez por todas com a sua terra, esse “agregado de nulidades pretensiosas”, à qual devota “todo o nosso desprezo e todo o nosso esquecimento”.


Em seus últimos anos de vida, o escritor teria feito as pazes com o Maranhão, penitenciando-se das palavras ofensivas que usara contra sua província. A escravidão fora abolida, a República, proclamada, o país mudara, e, com ele, a sua província.


Porém, a destruição da casa em que viveu com os pais e os irmãos, e onde, aos 23 anos, escreveu um livro que sobrevive como “documento e monumento”, nas palavras de Jomar Moraes, certamente o faz hoje revirar-se no túmulo.


Ao reeditar O mulato pela primeira vez desde o seu perturbador lançamento 132 anos atrás, a Academia Maranhense de Letras rende a Aluísio Azevedo a homenagem que a sociedade maranhense coletivamente lhe nega quando permite a morte do casarão que o viu nascer e criar uma obra de arte perene e transformadora.


Quem sabe, a releitura dessa trágica estória de amor entre o mulato Raimundo e a branca Ana Rosa, que se passa nos anos finais da abolição e do Império, nos ajude a compreender melhor o que fomos, com nossas grandezas e misérias, e a definir o que somos e seremos, com nossos eternos sonhos de futuro e as sempre repisadas glórias do passado.


O que importa, afinal, é que as homenagens, as desfeitas e os ressentimentos passam. Aluísio Azevedo e O Mulato permanecem.


Email: antoniocglima@uiol.com.br

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