TANIA LUCIA SOARES : 34 anos dedicados a confeccao dos couros de boi e outras indumentarias

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TANIA LUCIA SOARES : 34 anos dedicados a confeccao dos couros de boi e outras indumentarias

'O bumba meu boi está no sangue'

Muitos dos lindos desenhos nos couros de boi que encantam o São João no Maranhão saem das mãos da bordadeira Tânia Lúcia Soares.
Gisele Carvalho
Da equipe de O Estado
15/06/2014

Transformar um pedaço de veludo cru na representação física da fé e tradição de um povo é a profissão de Tânia Lúcia Soares. São 34 anos se dedicando a confeccionar os belos couros de boi e as indumentárias dos brincantes que encantam o público nos arraiais espalhados por São Luís e no interior do estado. Para ela, ser bordadeira de bumba meu boi do Maranhão é mais que uma profissão, é a missão que ela escolheu para a sua vida.
É no reduto da sala de sua casa que as peças nascem. Mesas para bordado, potes de miçangas e linhas dão o tom de ateliê. Quatro homens de sua equipe trabalham para terminar de aprontar o couro do Boi da Pindoba a tempo do batizado, enquanto ela conta como começou a bordar no tecido as apaixonantes histórias do bumba meu boi e nunca mais parou.
A mãe de Tânia Soares era costureira e confeccionava roupas em geral e o pai gostava de acompanhar as apresentações de grupos de bumba meu boi. Apesar de as referências de infância terem tudo a ver com o que ela faz hoje, não é a essas referências que ela atribui sua vocação para trabalhar como bordadeira. Em sua família, eram nove filhos e três filhas. Foi acompanhando o trabalho de uma das irmãs, que costurava, que ela aprendeu o ofício aos 16 anos e depois se especializou na arte de bordar.
O primeiro trabalho ligado ao bumba meu boi foi para um espetáculo junino. Ela tinha 21 anos e o produtor do evento a convidou para confeccionar as roupas das bailarinas. Mesmo sem saber fazer direito, ela aceitou o desafio e costurou as peças. Começou a fazer indumentárias para alguns grupos folclóricos aos poucos e logo se tornou uma referência.
Sem que fizesse propaganda nenhuma, começou a ser procurada pelos grupos mais importantes do Maranhão para confeccionar couros de boi e outras peças. Em mais de 30 anos de trabalho, Tânia Soares já trabalhou para o Boi Barrica, da Pindoba, de Apolônio, União da Baixada, da Madre Deus, de Juçatuba, de Leonardo, Iguaíba e muitos outros. Além disso, ela também sempre confecciona os chapéus dos cantadores Humberto de Maracanã, Ivaldo Onça e outros.
Determinação - Para se tornar referência, Tânia Soares conta que sempre se dedicou muito. O trabalho é árduo. Como o ateliê funciona em sua casa, é quase uma dedicação integral aos bordados. "Você vira quase que escravo do bordado porque é na sua casa. Você está olhando para o serviço por fazer e fica ainda mais preocupado. Só passa isso no dia 24, mas a gente só descansa quatro ou cinco dias e começa tudo de novo para o outro ano", conta.
Apesar de as encomendas começarem a ser feitas com uma antecedência de quase um ano, às vezes é preciso acordar na madrugada para trabalhar as peças. É preciso também ter um jeitinho para adequar a rotina de casa ao trabalho. Mesmo assim, ainda é difícil. Começando o dia de trabalho na madrugada, ela consegue parar um pouco para fazer o almoço às 10h. Almoça às 11h e descansa um pouco para voltar a bordar. Das 14h em diante, ela perde a hora bordando. Às vezes, para por volta das 22h e na madrugada do dia seguinte, começa tudo mais uma vez.
"Quando você entrega as peças, eles ficam muito felizes. No outro ano, quando eles passam o trabalho para você de novo, você lembra disso e trabalha com mais emoção. A nossa cultura é feita por pescadores, lavradores. São pessoas humildes que fazem essa festa lindíssima. Acho lindo ver eles usando essa roupa bem trabalhada, muito bem feita. É muito gratificante. É isso que recompensa a gente passar horas do dia só bordando", afirma Tânia Soares.
Perfeição - São até 30 dias para aprontar um couro de boi. Tudo começa logo após as festas juninas. Os donos de grupos a procuram com o tema do couro definido ou com as toadas e guarnicês do Boi em mãos para que seja elaborado o couro. O desenhista do ateliê, Marco Antônio Ferreira, desenvolve a ideia com o auxílio da bordadeira. Os desenhos vão para as mesas já coloridos e passam pelas mãos da equipe do ateliê. Tirando a bordadeira, a equipe é formada apenas por homens que moram na comunidade e seu marido, Carlos Alberto Santos.
"Quando acaba esse São João de 2014, vamos cumprir a agenda de 2015. Até porque 90% das nossas brincadeiras dão o privilégio de trazer o trabalho deles para a gente confeccionar. Então, tem de ser tudo direito porque senão não dá certo. Durante o ano, nós chegamos a fazer de oito a 10 couros porque, além dos couros, temos que fazer os chapéus. O tempo é pouco, quando você vê já chegou o dia da festa. Mas já estamos na reta final", assinala.
Aos olhos de todos, o trabalho de Tânia Soares é perfeito. Com o seu trabalho, a bordadeira já recebeu convites para participar de três exposições no Rio de Janeiro, programas de TV, na Feira da Providência (Rio de Janeiro), além das casas de cultura de São Luís. Atualmente, ela está analisando a possibilidade de fazer uma exposição das peças que produz em uma grande mostra que será realizada na Itália. Apesar do reconhecimento, a perfeição é um objetivo a ser alcançado por ela. Todos os anos, a bordadeira avalia a produção do ano e destaca os pontos que precisam ser melhorados. "Tento chegar à perfeição. Está faltando algo aqui e ali para formar o conjunto. Realizada estou, mas falta um pouquinho para poder dizer que está perfeito", pontua.
Descanso - Depois do dia 24 de julho, chega a hora do merecido descanso. Com tudo entregue aos clientes, é hora de se jogar nos arraiais de São Luís. Não tem cansaço que a impeça de ir ao Lava-Bois, em São José de Ribamar, à capela de São Pedro no encontro de batalhões no dia 29 de junho e no encontro de grupos no João Paulo no Dia de São Marçal (30 de junho). "Depois que eu tiro folga, só me encontram nesses lugares. Não poderia ser bordadeira se não gostasse de boi. Ir para essas festas é a coisa que mais gosto. Só não bato matraca porque é para não fazer feio. Fico só batendo palma mesmo".
Além disso, ela utiliza os poucos dias de descanso para viajar na caravana do Clube do Povo. O grupo sempre viaja para visitar mestres de cultura que estão esquecidos. Várias pessoas se reúnem para viajar pelo interior do estado e para percorrer a cidade para ver bordadores, cantadores, pessoas que foram donas de boi que estão no esquecimento do povo.
Família - Para Tânia Soares, a sua família é a base do seu trabalho, o motivo para que ela continue trabalhando mesmo depois de 34 anos. Além dos rapazes que compõem a equipe do ateliê de Tânia Soares - Naílson, Gilson, André e Afonso -, o marido dela, Carlos Alberto Santos, também integra a equipe.
O marido de Tânia Soares não fazia bordados e nem era brincante de grupos folclóricos. Apesar de toda a sua família ser de brincantes, ele só apreciava as apresentações dos grupos. Quando sua esposa precisou começar a bordar as encomendas em casa, ele começou a ajudá-la. Hoje, os dois se mantêm com a renda dos bordados e couro e das indumentárias. "Quando comecei a bordar, fiz uns trabalhos para o Boi de Pindaré, do Coxinho. Fui para o Barrica. Eu não bordava em casa, mas na companhia. Foi necessário a gente começar a fazer em casa. Ele começou comigo e hoje eu só não chamo ele de mestre porque não morri. Mas ele trabalha muito bem. Fui lapidando ele e ele ficou melhor do que eu", brinca a bordadeira.
A filha do casal chegou a se envolver com o bumba meu boi, mas não aprendeu a fazer os bordados como a mãe e o pai. Quando Elaine tinha apenas um ano, Tânia Soares a vestiu de índia para pagar uma promessa. Depois a pequena foi se envolvendo com os grupos folclóricos e se tornou bailarina de alguns grupos. "A minha família é a base para eu continuar bordando. Acho que ganhei muita força para o meu trabalho quando nasceu meu primeiro neto, o Vinícius, que tem 13 anos. O Vitor tem 2 meses. Eles e minha filha são a base. Já o meu marido está totalmente envolvido. Ele que é o cara. Ele vai continuar esse legado. Ele se tornou um eterno apaixonado pelo bumba meu boi", afirma.

Devota de São João, bordadeira paga promessas em junho

Devota de São João, a bordadeira cumpre várias promessas para o santo todos os anos. Depois de entregar todas as peças confeccionadas para os grupos, ela fica livre para pagar as promessas e agradecer pelas graças que lhe foram concedidas. Uma das mais importantes foi feita pelo pai e passou para ela. Todo dia 24 de julho ela faz igual ao pai: prepara um almoço para a família e uma reza para o santo em casa.
Quando era criança, ela achava que o pagamento da promessa era uma festa de aniversário ou algo do tipo. Tânia conta que sempre perguntou ao pai o motivo da promessa, mas parecia que ele evitava contar toda a história. A mãe de Tânia estava muito doente, enquanto ainda estava grávida dela. Pela saúde das duas, ele fez a promessa e a filha, que hoje é bordadeira de couro de boi, nasceu no dia 24 de julho, um mês depois do Dia de São João (24 de junho). Isso, é claro, foi entendido como um sinal divino.
"Só depois de pagar minha promessa é que posso sair para olhar as nossas manifestações. Eu nem sabia que seria bordadeira. Então, ganhei um presente de São João em me dar essa profissão. Sou apaixonada pelo meu santo", afirma.
Além da promessa feita pelo pai e passada para ela, a bordadeira também não deixa de ir à Igreja de São João para agradecer pela proteção do santo. Tânia Soares conta que, a cada dois anos, deixa o cabelo crescer para depois cortá-lo e doá-lo para a Igreja. Os fios são vendidos e a renda é revertida para as obras da igreja. "Sou firme e forte com São João. Todas as minhas graças foram alcançadas. Não peço coisas que vão encher minha bolsa. Geralmente, peço paz e saúde que é o que mais importa e sempre alcanço. Sou bem protegida por ele", finaliza.

RAIO-X

NOME COMPLETO
Tânia Lúcia Soares
NASCIMENTO
24 de julho de 1962
PROFISSÃO
Bordadeira
FILHOS
Elaine Barbosa Soares (29)
ESTADO CIVIL
Casada com Carlos Alberto Santos
QUALIDADE
Ser decidida
DEFEITO
Ser muito severa com o trabalho
ALEGRIA
Continuar viva e feliz
TRISTEZA
Não tem. "A tristeza é só um momento. Depois passa"
SAUDADE
Dos pais (já falecidos)
PLANOS
Ter reconhecimento pelo seu trabalho

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