Delfim Netto: 90 anos do “czar da economia”**
Por Eden Jr.*
Parece não ser coincidência que Delfim Netto faça aniversário no dia internacionalmente dedicado ao trabalho. No último 1º de maio, o paulistano que atravessou as últimas seis décadas influenciando os destinos do país, seja como economista, político, consultor, servidor público graduado, ou “simplesmente” como conselheiro de presidentes, chegou aos 90 anos em plena atividade. Recentemente sua consultoria, a Ideias, fundada 1974, foi palco do encontro de dois presidenciáveis, prováveis protagonistas das próximas eleições: Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT) – que aproveitaram a ocasião para discutir os rumos da economia e da política do Brasil.
Do nascimento, em uma família de origem italiana no Cambuci, bairro periférico da capital paulista, aos altos escalões da República – secretário, ministro, deputado e aspirante a governador e a presidente – parece que foi um pulo. O encontro de Delfim Netto com a economia veio em 1948, quando ingressou na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Forma-se em economia três anos depois. Já em 1952 começa a lecionar, como professor assistente, Estatística Econômica e Econometria. Em 1959 alcança o doutorado e o posto de professor livre-docente, ao defender a tese “O Problema do Café no Brasil”. Em 1963, ao receber o título de Professor Catedrático de Teoria do Desenvolvimento Econômico, Delfim Netto tornou-se o primeiro ex-aluno da FEA-USP e economista formado depois da regulamentação da profissão a chegar à posição de catedrático na instituição.
O início da carreira na burocracia pública foi em 1964, ano da instauração do regime militar, como membro do Conselho Consultivo de Planejamento (Consplan), que opinaria sobre o Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg). Chegou a secretário da Fazenda do Estado de São Paulo em 1966, cargo que ocupou até o ano seguinte. Dias após fazer uma exposição sobre economia brasileira para o futuro presidente Costa e Silva, veio o convite para assumir, com apenas 39 anos, o Ministério da Fazenda, ainda em 1967, com a inflação rodando na casa dos 40% ao ano – hoje está em 3% a.a. Na pasta pilotou o fenômeno que viria a ser conhecido como o “Milagre Econômico Brasileiro”, onde estímulos fiscais e monetários, gigantescas obras de infraestrutura e incentivo ao consumo e às exportações, dobraram o valor do nosso Produto Interno Bruto (PIB) e produziram um crescimento médio da nossa economia de 9,9%, entre 1967 e 1974 – ano passado crescemos 1%, após dois anos de queda (3,5% em 2015 e 2016). É desse período a frase inconfundível atribuída a Delfim: “É preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo”. A primeira crise do petróleo da década de 70 acabou com o milagre, interrompendo o ciclo virtuoso da economia.
Em 1975 Delfim vai a Paris, com a missão de chefiar a embaixada brasileira na França. De volta ao Brasil, em 1978, teve seu nome cogitado para ser governador de São Paulo, fato que não se concretizou. No ano seguinte teve efêmera passagem, de cinco meses, à frente do Ministério da Agricultura. O segundo choque do petróleo o levou para o comando do Ministério do Planejamento (1979/1985), após controversa saída de Mário Henrique Simonsen do posto. Dessa vez, Delfim não pode exibir os bons números de outrora, pois a crise já havia se instalado fortemente no país, a economia regrediu 6% entre 1980 e 1983, e a inflação saia do controle, indo a mais de 200% ao ano. Era o início da “década perdida”.
Com o fim da ditadura militar, Delfim envereda pela carreira política. Exerceu cinco mandatos consecutivos de deputado federal por São Paulo, entre 1987 e 2006. Em todas essas décadas de atuação, o economista transitou em muitas ocasiões entre os presidentes da República, dando conselhos e influenciando na economia. Além dos governos militares, esteve próximo de Collor, Itamar e Lula. No período de Fernando Henrique Cardoso suas opiniões não repercutiram no núcleo decisório econômico. Sobre Dilma, outra que não dava guarida para seus conselhos, entende que a ex-presidente extrapolou os níveis mínimos do bom senso, com suas medidas econômicas heterodoxas, ao implementar as “pedaladas fiscais”, que acabaram empurrando o país para a bancarrota. Com a ascensão de Temer, voltou a ser ouvido no Planalto.
Delfim esteve envolvido em vários episódios polêmicos, como: ter assinado, na qualidade de ministro da Fazenda em 1968, o Ato Institucional nº 5, um golpe certeiro na democracia, que endureceu a ditadura, fechou o Congresso Nacional, cassou mandatos, suspendeu o habeas corpus para crimes políticos e levou à tortura e a assassinatos; a acusação de manipulação de índices de inflação de 1973, enquanto era ministro da Fazenda; a denúncia de cobrança de propina, pelo economista e dois amigos, a bancos franceses que quisessem fazer negócios no Brasil, isso no período em que foi chefe da embaixada em Paris; e em março último a Operação Lava Jato adentrou no apartamento do “Gordo” – como é chamado pelos amigos mais próximos – para investigar se ele havia repassado, para o PMDB e PT, vantagens indevidas recebidas de empreiteiras que participaram do consórcio, que ele montou, e venceu o leilão para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte/PA.
Sem se considerar integrante de nenhuma corrente específica da economia, Delfim, que é o recordista na premiação anual concedida pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), com quatro distinções, afirma sobre o ofício de economista: “Eu dei muita sorte. Eu não escolhi a profissão. Foi a profissão que me escolheu”.
*Sugestão do artigo: Adriano Pinheiro (Professor de História)
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