A lábia de Lula: o ex-presidente prova mais uma vez que é mestre em domínio da massa.
Prof.
Eugenio Araújo. Prof. Pós. Doc. Em Hist. da Arte, Dep. de Artes/UFMA.
Pode-se
criticar o ex-presidente Lula por tudo lá o que for. Mas há que reconhecer essa
que parece ser sua maior virtude: a capacidade de comunicação com as massas.
Depois de ser conduzido à força para depor na 24ª fase da Operação Lava-Jato;
depois de ser acordado de surpresa e retirado de casa às 6:00 da manhã; depois
de passar mais de 3 horas repetindo respostas, que segundo ele mesmo, já foram
dadas; depois de passar por tudo isso, o ex-presidente encontra forças para
fazer um pronunciamento público que corrobora seu perfil de grande comunicador:
Lula conseguiu reverter um fato negativo em positividade. Tudo isso apenas
através do discurso. Não foi uma entrevista, foi um comunicado. Assim, ele já
escapou de todos questionamentos. Mas não importa que os repórteres tenham sido
impedidos de fazer perguntas, que ele não tenha tocado nas questões colocadas
pela investigação, não importa que o cansaço, a vergonha, não importa nada.
Lula tem lábia.
Se
a oposição tivesse ao menos um político com a metade do carisma e da lábia de
Lula, Dilma já teria caído. Se compararmos o ex-presidente com os dois nomes
que concorreram com Dilma nas duas últimas eleições presidenciais, tudo fica
ainda mais claro. José Serra e Aécio Neves não conseguiram, nem no nível do discurso, derrotar uma
candidata fraca como Dilma Roulssef. Lembro bem do tempo em que Lula concorreu
à presidência nas primeiras campanhas. Quando Lula falava, os outros candidatos
calavam. Isso não é um dom, ao contrário do que dizem por aí. A ORATÓRIA é uma
disciplina tão antiga quanto a filosofia grega.
Os
filósofos helenos se preocuparam, desde muito cedo, com a forma com que se fala
certas coisas. A FORMA e MANEIRA de falar é tão importante quanto aquilo que se
fala – o CONTEÚDO. Segundo alguns, é até mais importante. Em muitos casos,
dependendo do público que escuta, é a única coisa que realmente importa. Quando
a audiência é pouco educada e pouco esclarecida não adianta tentar fazer análises
profundas, é melhor tentar ser direto, curto e grosso. Ser duro, ser dramático,
ser emotivo. É a linguagem das massas. Lula sabe fazer isso muitíssimo bem. Não
nasceu sabendo.
Aprendeu a duras penas, na escola do sindicalismo paulista, que
formatou o político esperto que chegou à presidência da república. Depois que aparou
a barba desgrenhada que ostentava nas primeiras campanhas e assustava o
empresariado e classe média, Lula aliou ao bom desempenho oral, uma imagem mais
palatável e conseguiu ser eleito. Continuo falando bem, inclusive de improviso,
no que é imbatível, como fez depois do seu depoimento na Lava-Jato. Lula não
precisa de discursos pré-concebidos, como a maioria dos políticos. Lula domina
a palavra. Não importa que por vezes lhe falte conteúdo, Lula é um artista da
palavra falada, ele a domina pela forma, pela sonoridade, pela rima, pelo
ritmo, pelas pausas. Lula é um ator.
Os
gregos já sabiam do perigo daqueles filósofos menores, que mesmo tendo pouco a
dizer, conquistavam muitos adeptos, simplesmente pela força dos discursos. Eram
os SOFISTAS. Sofismar é considerado um exercício menos nobre da oratória e da
RETÓRICA, mas não menos eficiente. O sofista é sedutor, conquistador podendo
tornar-se mentor enganador e até mentiroso. Não importa, sofismar funciona bem.
O sofista não segue em linha reta, não é dogmático, é plural, é imprevisível, é
relativista. Num debate, o sofista é aquele que foge dos pontos principais da
discussão e desvia a atenção dos ouvintes para pontos secundários, que podem
até tangenciar o tema primordial, mas não o soluciona. Foge das respostas que
interessam, mas cria outras perguntas às quais ele mesmo responde. Consegue
usar os argumentos alheios contra seus opositores. Ainda assim pode abrir novas
possibilidades de interpretação. O sofista dá voltas, entontece, hipnotiza. O
sofista é um mago da palavra. Diz a lenda que eles foram os primeiros
advogados. Daí vem o adjetivo SOFISTICADO, para designar coisas complexas. O
legado sofista, portanto, não é só negativo e continua atuante.
Hoje
Lula pode se encaixar bem nessa categoria. Seus simpatizantes não ligam para o
que fala ou deixa de falar. Ficam ligados apenas na sua imagem falante. Lula é
hipnotizante. Lula é um show-man da palavra!
O
domínio da oratória sempre foi uma das características dos grandes líderes
populistas, sejam eles considerados bons ou maus. Getúlio Vargas e Hitler foram
grandes oradores e despertaram grandes paixões. Sarney é um grande orador.
Barack Obama é um grande orador. Conquistam pela oralidade. Dominam sem muita
força porque entendem o grande poder da palavra.
A
oratória utiliza muitos recursos teatrais. Isso ficou patente no discurso de
Lula logo após o depoimento da Lava-Jato. Lula foi seguro, mas gaguejou na ora
certa; criticou o poder judiciário, mas contou casos pessoais em tom mais
romântico; embargou a voz e quase chorou quando falou da esposa e dos filhos; rememorou
dramaticamente passagens difíceis da vida, passou fome, foi preso, lutou contra
a ditadura e pela democracia... tudo isso no tom de voz adequado. Subiu a voz,
chamou palavrões, debochou das elites e de si mesmo ao dizer que não sabia o
que era um “decantador de vinhos” – nessa passagem pediu ajuda dos jornalistas,
pois nem lembrava do nome. Mas disse que tem direito a tomar os melhores
vinhos. “Sou pobre, mas tenho direito de
morar num bom apartamento e de tomar um bom vinho! E quero que todos os
brasileiros também tenham esse direito!”. Pronto, ganhou a plateia, ganhou simpatia
e reverteu a posição de suspeito investigado para o ex-presidente injustiçado.
Nem todos sabem fazer isso. Ainda mais com tal rapidez. Horas depois a
presidente Dilma também fez um pronunciamento em defesa de Lula – que já nem
precisava! Quanta diferença. Um discurso burocrático e sem cor. Ninguém fala
como Lula!
Nesse
ponto o ex-presidente é realmente admirável. Pena que não esteja mais usando
essa grande poder para o engrandecimento da nação pela qual tanto já lutou –
isso não podemos deixar de reconhecer. Em algum ponto do caminho Lula se
perdeu. E isso é uma grande pena para o nosso país. Mesmo no seu ocaso, Lula
ainda tem muito que ensinar para essa nova geração de políticos tacanhos, sem
carisma e sem domínio oral. Mirem-se no exemplo desse homem encurralado, que
ruge e seduz ao mesmo tempo.
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