O que perdemos com a viagem de D.Teté

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O que perdemos com a viagem de D.Teté



Por: Herbert de Jesus Santos (*)


Goethe (Johann Wolfgang von), do alto da sua sapiência de um dos maiores cocos do universo, lecionou o que não devemos fazer contra a cultura popular: 'Não acabem jamais os fogos de São João e jamais se perca a alegria! Sempre se brandirão as velhas vassouras e sempre crianças novinhas nascerão. Não preciso senão olhar pelas minhas janelas para ver constantemente sob meus olhos, nas crianças que correm com suas vassouras, o símbolo do Mundo que ternamente se gasta e se renova'.

Esta pérola resplandece no livro A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento (Contexto de François Rabelais), de Mikhail Bakhtin, em que o imortal poeta, romancista, dramaturgo e filósofo alemão joga uma pá de cal nas presunções terrenas de quem, com a pabulagem de ser letrado, torce o nariz para a arte que vem do povo: 'Enquanto não compreenderes esse `morre e renasce´, tu não passarás de um hóspede melancólico sobre a terra tenebrosa.' (Não foi sem razão que o exponencial prosador brasileiro Machado de Assis reconheceu em Goethe um imorredouro, qual, igualmente, eternizou o nosso Gonçalves Dias: 'Seus versos serão repetidos, enquanto a língua que falarmos, for a língua dos nossos destinos!') Tanto Machado como Goethe enxergavam muito longe, além, da mediania! Inserida no contexto, não de François Rabelais, escritor e humanista francês, mundialmente famoso, mas do meu próprio e insular taco, mesmo assim será verdadeiro e oportuno, pois humanístico e filosofal, considerarmos que Dona Teté universalizou-se, sem nunca haver lido Fausto, obra-prima de Goethe, salvo melhor juízo; bastou ser e estar agente cultural, na Terra, celebrada pelo genial escritor e bem-dita em suas Páginas Imortais, e, com todas suas peripécias essenciais à nossa riqueza de espírito, porque de relevância para a vida maranhense, cair na rede de outro gênio do Globo, dessa vez, na literatura russa (Tolstoi): 'Se queres ser universal, cultiva a tua aldeia!'

Desde que a conheci (quando ela ganhou maior visibilidade, já avó, sem perder a mocidade da alma, agitando na percussão e coral do Cacuriá de D. Teté, com a trupe do Laboratório de Expressões Artísticas-Laborarte, nos arraiais juninos), ela não saiu mais da minha vista, sob as tintas dos mestres da Mãe Rússia: 'Pinta a tua aldeia e serás eterno'! 'Quem canta a sua aldeia, canta o universo!' Essa parte, principalmente, a legendária D. Teté fez como ninguém, ou da altura dos nossos mais extensos e genuínos fazedores da cultura popular maranhense.

Porque ela tinha luz própria e era dona do seu nariz, reza a lenda que achou pouco rebolado no cacuriá do Mestre Alauriano (Seu Lauro, criador ainda da Escola Baralho do Samba, na Vila Ivar Saldanha), e foi a única que no cordão passou a saracotear, certamente, com alguns cochichos no começo, até se acostumarem com o menear (corpo, quadris), isto é, o requebro da Nega Teté. Pronto! Estava adicionado, na brincadeira folclórica, o tempero sensual que faltava para incendiar os terreiros em que dezenas de manifestações seguidoras do Cacuriá de D. Teté, que dão o ar da sua graça no nosso folguedo joanino, repetem com o mesmo cacófato saboroso, para nós, seu fã-clube de carteirinha, no verso de 'Assacana'! O cacuriá, que não meter 'Assacana'!, no seu repertório, e sem perder o rebolado, não tem aplauso da platéia!

Um dia quiseram tirar onda com D. Teté, por causa desse seu, digamos, despojamento corporal e verbal, especialmente, se a nossa heroína com umas duas doses de catuaba no frontispício. Consoante me informaram na Praia Grande (não me lembro, se a artista 'laborarteana ' famosa, que atende pela chamada de 'Pausadamente'), D. Teté teria sido agredida, verbalmente, por uns corpos estranhos à nossa cultura, na praça e à luz do dia. Sem pestanejar, tirei dos cachorros e pus em 'Os neonazistas contra a Nega Teté!', como amanheceu o título do meu Sotaque da Ilha (coluna do JP Turismo, suplemento do Jornal Pequeno), há quatorze anos, pelo menos. Nunca mais tivemos notícia deste sacrilégio em nossa religião cultural pelos que nunca leram Goethe nem Tolstoi, nem formaram no cordão dos que eles eternizariam por sua alma do povo. Quando ela me olhou, no primeiro Testamento do Judas do Laborarte, depois do triste episódio, comemoramos o seu desagravo, com ela abrindo o seu sorriso de orelha a orelha e mandando à Jesus Cristo: 'Meu filho, eles não sabem nada!'

D. Teté nasceu, em 1924, com o nome de Almerice, na região do Batatã, em São Luís, já gostando de alvorada, ladainha, tambor-de-crioula, e, em sequência, do cacuriá. Porque o nome de certidão era de difícil acesso, ela foi rebatizada e consagrada, na boca do povo, como Teté. Desapareceu, fisicamente, aos 87 anos; seu velório aconteceu em sua residência, nos Barés, e seu corpo sepultado, na tarde de ontem (10.12.), no Cemitério de Paço do Lumiar. Pelo legado que ela deixou ao chão de nascimento, baixou ao túmulo para receber uma terra mais leve possível. E enquanto houver cacuriá, com ' Assacana', do jeito que ela ensinou, com aquele rebolado e tudo em cima, D. Teté ressuscitará em todo São João de São Luís. Quem viver, verá!

*jornalista e escritor.

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