37ª Mostra Internacional do Cinema, em Sao Paulo
Bom rever os amigos João Marcos Flores, Erasmo Penteado e Pablo Villaça, além de Francisco Cannalonga, segundo ele cansado de me encontrar nas sessões.
7) Casadentro (Idem, Peru) - O solitário retrato da terceira idade é o tema de estreia da diretora e roteirista Joanna Lombardi, porém a considerar quão entediante é o resultado final, provavelmente estamos diante de uma produção ainda mais imersiva do que Gravidade. Nela, somos apresentados a octogenária Pilar (Élide Brero) na véspera de novo aniversário, quando é surpreendida pela ligação da filha Patrícia avisando que irá visitá-la junto da filha, genro e neta. Uma oportunidade para que Pilar, a governante Consuelo (Delfina Paredes) e a doméstica Milagros (Setphanie Orúe) organizem algo sutilmente diferente, bem sutil mesmo, da maçante rotina diária.
Há instantes bem-humorados, em particular os que surpreendem Milagros telefonando e comendo às escondidas ou a presteza exagerada de Pilar que faz de tudo ao seu alcance para agradar a família, além da tensão e mágoa que pairam entre as várias gerações da família, mas a narrativa arrasta-se de tal forma que só encontramos razão para conferir o ponteiro do relógio, e não para penetrar nos dramas dos personagens.
8) De volta a 1942 (Yi jiu si er, China) – Escolhido para representar a China no Oscar do próximo ano, o novo trabalho de Xiaogang Feng reabre feridas antigas da Segunda Guerra Mundial e conta uma, para mim inédita, história de degradação humana e de capitalização sobre a desgraça alheia que assolou a província de Henan depois de um seca devastadora. Por este motivo, mas também graças à invasão em curso do Japão, grande parte da população, dentre ela o senhor de terras Fan (Guoli Zhang) e sua família, migram com toda a comida estocada e tentam sobreviver enfrentando dias e quilômetros de viagem, o inverno implacável e a escassez de comida, os devastadores ataques aéreos japoneses e a negligência criminosa do governo chinês, que considerava os milhões de habitantes como peso morto e só mudou de postura após a publicação na revista Time de fotos tiradas por Theodore (Adrien Brody, escolha curiosa para o papel).
Exaustiva, tanto em função da duração quanto da própria tragédia retratada, a narrativa revela com precisão o resultado finalístico da guera e, por isto, pode incomodar com uma sucessão interminável de desventuras sofridas por um comboio cada vez menor e fragilizado. Em certo momento, terras e mulheres são vendidas em troca de alguns quilos de sementes, noutros, a espiral de sofrimentos transforma a morte em algo melhor do que viver, arrancando o fiapo de esperança que restava. A história somente tropeça na ânsia de retratar tudo e todos, o que a leva a saltar bruscamente cronológica, geográfica e narrativamente, descartando personagens como o padre chinês e o interpretado por Tim Robbins. Nada que macule, se é que é possível, uma página negra da história que pôs um povo contra ele próprio.
9) Paradjanov (Idem, Ucrânia/França/Geórgia/Armênia) – Representante da Ucrânia no Oscar do ano que vem, este trabalho co-dirigido por Serge Avedikian e Olena Fetisova, autora do roteiro, presta-se a revelar a personalidade do cultuado diretor soviético Sergey Paradjanov: sua genialidade estética e por vezes insuportável transportada às suas obras, sua paixão insuperável pela ex-esposa Svetlana e também sua bissexualidade, sua prisão política e por fim seu exílio forçado à terra natal Geórgia, de onde saiu para retornar à direção só uma década e meia depois.
Interpretado pelo próprio Avedikian, que arrebenta, Paradjanov ora pende para uma caricatura excêntrica e imaginativa, com destaque às sequências oníricas, ora para uma melancolia velada, contida e eficiente. Todavia, se acerta na construção do personagem, Avedikian erra em jamais dar provas concretas da genialidade de Paradjanov, crente que as composições inusitadas das obras do cineasta aqui refeitas e os comentários daqueles que trabalham com ele bastassem nesse sentido. O resultado é estranho: uma homenagem acerca de quem, em última análise, parece não ser digno dela.
10) Belas mariposas (Bellas mariposas, Itália) - Cate (Sara Podda) tem a consciência de ser uma personagem de cinema ou, ao menos de estar tendo sua história documentada à câmera invisível, superando a quarta barreira, a que separa a telona da plateia, tão logo surja a primeira cena. Este recurso serve para oferecer o ponto de vista da adolescente de 13 anos sobre sua numerosa família, os amigos e amores e, por fim, si própria, o que naturalmente produziria uma opinião inconfundivelmente imatura, acentuada ainda por cima pela sua narração in off e domínio da cronologia narrativa. Isto não significa, no entanto, que o filme de Salvatore Mereu precise compartilhar cegamente a visão míope e despreparada da protagonista.
Julgando engraçado os comentários, sobretudo sexuais, acerca de praticamente todos os que convivem com ela – pai, mãe, irmãos, amigos, vizinhos, etc – Salvatore também não enxerga a contradição de Cate saber o desfecho da sua história e mesmo assim, expondo isto ao público diretamente, agir como se estivesse surpresa. Porém, de que maneira ele poderia saber, se estava preocupado demais em retornar à adolescência?
11) Inch’Alla (Idem, Canadá/França) - Apesar de não cobrir terreno novo no que tange os confrontos entre Palestina e Israel, o novo trabalho de ficção da diretora Anaïs Barbeau-Lavalette revira as origens da cineasta no documentário para construir, utilizando os recursos que o gênero dispõe, uma poderosa história sobre culpa, sacrifício e divisão. Assim, a médica voluntária Chloé (Evelyne Brochu), após testemunhar a morte de garoto indefeso, aproxima-se de Rand (Sabrina Ouazani), grávida que sobrevive do que coleta no grande lixão próximo ao muro que separa judeus e árabes. Ela também envolve-se romanticamente com Faysal (Yousef Sweid), o irmão de Rand.
O desenrolar do relacionamento entre eles expõe as marcas que impossibilitam que haja uma sintonia fina e a morte acidental de certo personagens somente piora a situação. Enquanto isso, Lavalette dedica-se quase completamente a seguir Chloé através da câmera nas mãos e emprega o grão grosso e chiado da fotografia a afim de conferir ar quase documental à narrativa, que encerra com uma imagem dolorosa e emblemática do que representa o segregacionismo a um pequenino garoto.
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