O dramaturgo maranhense Zen Salles se destaca em São Paulo com roteiros de peças teatrais e também com o trabalho na série Sessão de Terapia.

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O dramaturgo maranhense Zen Salles se destaca em São Paulo com roteiros de peças teatrais e também com o trabalho na série Sessão de Terapia.


'Tem que se reinventar a cada instante'


Raíza Carvalho
Da equipe de O Estado
18/11/2012 00h00
Trilhando um caminho desafiador entre sucessos e "não tão sucessos assim", o dramaturgo maranhense Zen Salles desenvolve atualmente uma carreira promissora em São Paulo. Formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão, Salles exerceu a profissão localmente antes de mudar-se para a capital paulista, onde poderia "viver de arte", nas palavras dele. Com textos polêmicos, inovadores e também sexuais, o dramaturgo tem crescido cada vez mais na profissão. Suas peças Pororoca, Siameses, Agridoce, Jet Lag, On $ALE, Bílis e 1 têm tido uma ótima aceitação do público e boa recepção da crítica, com indicações a prêmios teatrais como o
APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e o CPT (Centro de Pesquisas Teatrais). Atualmente, Salles trabalha ao lado de Selton Mello, como um dos roteiristas da série Sessão de Terapia, exibida no canal GNT. Em entrevista a O Estado, o dramaturgo falou sobre os desafios do fazer teatral, roteiros de televisão e cinema entre outros assuntos relacionados às artes.
O Estado- Uma pergunta em especial: por que ser dramaturgo?
Zen Salles- Primeiro pela possibilidade da criação sem limites. E a criação é isso mesmo, ela é infinita, não tem amarras, te pega pelo corpo inteiro e te leva até onde a imaginação permitir... Que é longe, pode ser qualquer lugar ou lugar nenhum... E eu sempre gostei de viajar pelos lugares improváveis que só a minha imaginação/criação pode me levar.
O Estado- Você é jornalista formado pela Universidade Federal do Maranhão e exercia a profissão. Como foi a decisão de mudança de carreira e de cidade?
Zen Salles- Acredito que só fiz Jornalismo porque precisava da escrita como exercício da manifestação do meu pensamento. Por isso fui um jornalista tão polêmico quando trabalhei nos veículos de comunicação de São Luís. Acho que é pelo fato de que eu sempre quis bem mais do que o simples factual. Acabei encontrando esse "bem mais" na ficção. E cada dia eu descubro outras possibilidades. Fazendo terapia, eu também descobri que sou um ser obsessivo, ansioso e insaciável. A escrita ficcional - no meu caso, a dramaturgia - é uma forma que encontrei para canalizar de um jeito producente dessas minhas características que poderiam até me levar para o fundo do poço. Posso dizer que a dramaturgia me salvou.
Quanto à decisão de mudar de carreira e de cidade... Bem, em São Luís não existia - pelo menos no tempo em que morei no Maranhão - quase nenhum lugar onde eu pudesse desenvolver esse meu lado dramaturgo/roteirista. Se aqui em São Paulo, que é a "meca teatral brasileira", já é bem complicado sobreviver de arte, imagina em São Luís, onde o fazer artístico ainda é encarado apenas como um "hobby" pela maioria das pessoas.
Se você é médico ou advogado, então você é o queridinho da família... Agora, se você é um artista, aquela tua tia invejosa e fuxiqueira da Cohab vai dizer: "Ah, o fulaninho não tem profissão, não.... O coitado mexe com arte."
O Estado- Há quanto tempo você trabalha no meio artístico? Que desafios trouxeram o início da carreira em São Paulo? Você já enfrentou/enfrenta preconceito por ser maranhense?
Zen Salles- Há 10 anos. Quando cheguei em São Paulo para fazer uma pós- graduação em Jornalismo Cultural na PUC, fui logo procurando cursos de roteiro com Braulio Mantovani e essa moçada da O2 Filmes, produtora do Fernando Meirelles, que, à época, estava bombando por conta do filme Cidade de Deus. Então, comecei a fazer cursos de roteiro e dramaturgia com todo mundo que você possa imaginar. Acho que fiz com todos os principais roteiristas e dramaturgos do Brasil e do mundo. São Paulo te possibilita estar em contato com o mundo inteiro. Todo mundo vem pra cá. Essa cidade é incrível nesse sentido. E eu nunca sofri preconceito por ser nordestino aqui.
Muito pelo contrário, as pessoas daqui são loucas para conhecer o Maranhão, adoram a nossa música, a nossa literatura, amam a nossa cultura popular. Prova disso, foi o sucesso da minha peça Pororoca, que teve direção do premiado Sérgio Ferrara, e que falava do Maranhão usando em seus diálogos as gírias tipicamente nossas, como "éguas", "hein, hein". O povo adorou, lotou o teatro. Tanto que a peça começou em um espaço pequeno e logo teve que ocupar o Teatro Popular do Sesi, que é o principal teatro da Avenida Paulista. A crítica também foi bastante generosa comigo, fui indicado a quase todos os prêmios de teatro de 2010, tipo o APCA e o CPT, e a revista Veja São Paulo classificou Pororoca como um dos 10 melhores espetáculos teatrais brasileiros daquele ano, ao lado de peças de companhias teatrais que já estão há anos na cena.
O Estado- Que temas você já abordou nas suas obras? A mudança é costumeira ou há uma tendência a falar sobre determinado assunto? Se sim, especifique os motivos.
Zen Salles- A crítica especializada daqui de São Paulo já disse que eu faço parte de uma tendência chamada de "pós-dramático", que vai além do conflito propriamente dito entre as personagens de uma trama, desconstruindo qualquer convenção dramática, seja ela aristotélica ou brechtiana, por exemplo. Mas eu pessoalmente não gosto de rótulos. Acho que limita a produção artística. E, como eu já disse antes, o bacana da arte é que ela não se limita a nada. Antes de tudo, eu escrevo sobre aquilo que me dar prazer, sou um hedonista por natureza. Mas também devo confessar que gosto do onírico, do surreal, do transumano, de pesquisar sobre novas linguagens e possibilidades de escrita. Até porque um artista nunca pode ficar numa zona de conforto. Tem que se arriscar e ousar sempre, buscar o novo constantemente, se reinventar a cada instante. E é isso que eu tenho feito com a minha dramaturgia.
O Estado- Em Siameses, peça adaptada recentemente pelo Núcleo de Pesquisas Teatrais Rascunho e exibida no Teatro Arthur Azevedo, o aspecto sexual dos personagens - irmãos siameses- é bastante evidenciado. O lado sexual é sempre algo forte em seus espetáculos? O que você busca apresentar de novo sobre o sexo?
Zen Salles- Vou usar uma frase que a Madonna já disse por aí para te responder essa pergunta: "Eu sou muito sexual e isso, evidentemente, se reflete na minha arte". É tipo isso. Eu e Madonna temos isso em comum. Sexo é muito louco quando você ousa. Se você quiser ficar no "papai-mamãe" a vida inteira, isso pode até te dar determinado prazer. Afinal de contas, cada um faz sexo do jeito que gosta (ou não). Mas, se você parar para pensar, sexo é pura sensação, é uma busca de um prazer total, é algo natural, humano, selvagem, é sair de si mesmo, é se jogar no outro.
Suas possibilidades são infinitas. E assim é a arte, né? Na semana passada, eu conversava com uns amigos enquanto tomávamos umas "brejas" e chegamos à óbvia conclusão de que a arte em si é algo absolutamente fálico, dionisíaco, sexual. Em Corpus Cavernosos, peça que acabei de apresentar com grande sucesso aqui em São Paulo, eu falo sobre necrofilia e sobre o mito em torno do que foi feito com o corpo de Eva Perón após a sua morte. Mas isso só foi o ponto de partida, a minha inspiração. Elevei isso tudo até a máxima potência e transformei o bizarro em pura poesia.
O Estado - Entre seus textos, há algum favorito? Conte um pouco da(s) história(s), dos personagens...
Zen Salles- Ah, isso é tipo aquele filme A Escolha de Sofia. Mas eu gosto muito de Siameses, pois foi quando eu comecei a acreditar que eu podia fazer a diferença como dramaturgo. Esse texto me veio em 2008. Peguei a história verídica dos gêmeos xifópagos de Sião, o Chang e o Eng (que foram famosos no século XIX em Sião, atual Tailândia, e que, por causa deles, surgiu a palavra siameses para caracterizar seres que nascem grudados) e também elevei até onde deu. Daí surgiram as minhas criaturas de Sião, que estrearam com grande êxito em São Luís, fato que me deixou bastante feliz. Até porque eles causaram no Facebook. Já tem gente que me procurou dizendo que quer fazer tese de mestrado sobre esse processo dos personagens nas mídias sociais, algo realmente inovador, que é uma das funções da arte.
Pororoca também é um texto de que eu gosto muito e tenho certeza que os maranhenses adorariam (pena que não deu para levar a peça até São Luís), pois fala das lendas que são tão comuns no Maranhão. Desde criança, eu escuto falar de serpentes gigantescas que moram debaixo da nossa "ilha grande", de índias que perderam suas sombras e foram condenadas a vagar nas beiras dos rios, de pescadores que se transformaram em peixe por terem pescado no período da piracema e, também, de meninas que foram carregadas pela "onda medonha" que, nesse caso, é a pororoca que invade o Rio Mearim vindo dos oceanos. Também curto muito a minha mais nova produção dramatúrgica, que se chama As Cinzas Vulcânicas do Teu Cigarro Light, texto absolutamente pós-dramático, com personagens fragmentados e que já está em fase de produção e terá direção do premiado diretor Zé Henrique de Paula, do Núcleo Experimental de Teatro aqui de São Paulo.
O Estado- Você está trabalhando em algo novo, além de escrever para a série Sessão de Terapia, veiculada no GNT?
Zen Salles- No teatro, estou sempre tramando novas coisas, é esse o meu ofício e ponto. Na televisão... Sim, mas ainda não posso revelar por questões contratuais. Teledramaturgia é bem assim: o processo de produção começa com pelo menos dois anos de antecedência. Mas, nesse ínterim, você quase sempre assina um contrato de sigilo absoluto, que é para não vazar nada. E a multa é uma coisa medonha. Se revelar, vou ficar endividado pelo resto da vida. Melhor não, né? Mas me aguardem. Vem coisa boa por aí. Sempre vem! E se não vier a gente vai atrás.
O Estado- Em Sessão de Terapia, você escreve as sessões do Breno, um homem orgulhoso e, aparentemente, impiedoso. Gostaria que você descrevesse o Breno e o processo de construção desse personagem.
Zen Salles- O Breno deu um trabalho danado, pois ele foi o único dos personagens de Sessão de Terapia que realmente passou por uma modificação significativa. Explico: na versão de Israel, que é a matriz, esse personagem era quase um homem-bomba. Ele tinha acabado de bombardear acidentalmente uma escola onde 12 crianças morreram naquela região conflituosa perto da Faixa de Gaza. Como bombardeio ainda não é nada comum aqui no Brasil, a gente decidiu que ele seria um atirador de elite, tipo um Capitão Nascimento que precisa de um terapeuta urgentemente depois que o tiro que matou um traficante também atingiu acidentalmente uma criança de 12 anos numa escola na maior favela da capital paulista. E tanto no original israelense como na versão dos Estados Unidos, esse personagem era bem mais duro e ácido. Aqui a gente deixou Breno um pouco mais debochado, com um humor tipicamente brasileiro. O Hagai Levi, que é o criador da série original, acompanhou todo esse processo de perto e, no fim de tudo, ele aprovou a nossa adaptação e ainda nos convidou para visitá-lo em Tel-Aviv. Eu fiz esse trabalho juntamente com a Jaqueline Vargas, que é a responsável pela redação final da série. E o Selton Mello, que é o diretor da versão brazuca, também participou ativamente desse processo. Devo dizer que perdi algumas semaninhas de sono e rugas nas pálpebras, mas estou aqui, vivinho da silva e já pronto para outras.
O Estado- Como é ser dirigido por Selton Mello? Desafiador? Enriquecedor? Intimidante? Que tom ele dá aos seus textos?
Zen Salles- O Selton é um fofo. A gente já se curtiu logo de cara. Acho que é porque ele é tão debochado como eu, tem o seu lado criança, faz seu trabalho com alegria, com um prazer quase que sexual. Mas, quando tem de ser rigoroso, ele é bastante exigente e profissional. Foi superenriquecedor para mim essa experiência com o Selton. Já saímos para a balada e ele é muito divertido. Ele é bem aquilo mesmo que a gente assiste na tela, aquela voz passada dele, com um sotaque carioquês bastante peculiar. Enfim... Ele é uma figuraça. Foi massa trampar e aprender com ele, quero mais. Mas será que não vem mais por aí? Huuum... Pausa dramática agora, suspense, trilha de filme do Tarantino. O que eu posso dizer por enquanto é que ele acertou na escolha do ator para fazer Breno, que também é de teatro, o Sergio Guizé. Ele até poderia ter escolhido um galãzinho de novela da Globo. Mas não. O cara apostou no talento de verdade. E foi no alvo certo. Um tiro mais que certeiro. Salve o Selton!

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